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terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobre leões, cordeiros, paradoxos e efeito borboleta

O que nos diferencia de leões e cordeiros?
O que nos faz crer que somos caçadores ou caças?
O que move nossas convicções e decisões?
Ser adulto é entender que nossas decisões criam impacto no mundo. É aquela decisão tomada aqui que trará conseqüências a milhões de quilômetros daqui. É o tão falado "efeito borboleta".
Tenho observado que os leões tem cada vez mais a inocência do cordeiro, e os cordeiros tem a voracidade dos leões.
Pessoas de opinião forte, grande senso crítico, vontade de conquistar um império, estão cada vez mais cheios de ingenuidade e passividade. Estes são os leões com alma de cordeiro. Grandes em idéias, e pequenos em atitudes; são meros balões de gás.
E, por outro lado, estes indivíduos estão se sujeitando àqueles que carregam consigo a mansidão do cordeiro, mas o coração nobre e valente dos leões, que não se mostram em púlpitos ou palcos, mas são os que fazem a revolução.
O que pretendo dizer com tais palavras é, simplesmente, que não há mais linhas que definem características peculiares aos indivíduos como outrora havia.
E isso me traz a um paradoxo inexorável: estão os bravos escondidos em pele de cordeiro e os mansos com pele de urso?
Seria o fraco o verdadeiro bravo ou a bravura foi enjaulada de vez?
E é assim que este mundo se apresenta: paradoxal, nebuloso, sinistro.
Mas os reflexos estão aí, o bater de asas da pequena borboleta aqui, está causando um vendaval no extremo oposto do aqui, o lá.
Que imagem me vem a mente. Que situação é essa? O que fazer?
Diante disso, eu teria muito medo, me esconderia sob um véu de ingenuidade e passividade, um verdadeiro cordeiro; mas o coração, ah, este é de leão!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012


QUEM HÁ DE ATIRAR A PRIMEIRA PEDRA?

Bom, desde já revelo o que sou: Advogado Criminalista Com Orgulho! Digo com orgulho porque vejo estampado no rosto de muitos, incluindo colegas advogados, a aversão e a repulsa que têm pelos meus iguais. Creio que não seja um pré-conceito ( pelo menos entre meus iguais, advogados), mas um conceito formado. Sei também que advogar para o suposto criminoso não me faz advogar em favor do crime. E quem tem essa visão, reveja-a. Lidar com o criminoso é sim algo tanto quanto delicado, pois, entrar no crime é vantajoso e fácil. Mas quem disse que o criminalista quer entrar para o crime ou uma vida fácil?
Talvez, entre todas as especialidades do Direito, a minha é a mais delicada. Ser criminalista é ser como um cirurgião, cortando as partes mortas da sociedade e dando oportunidade ao doente de se recuperar. Sei que muitas vezes um transplante é necessário. E no meu caso, um transplante é retirar o maligno do corpo da sociedade e infundir nela o benigno.
É sabido por todos o quanto o exemplo modifica o caráter do indivíduo, da mesma forma, estimula o indivíduo a seguir o caminho do bem. Curar um doente de uma doença que não existe mais é igual a transformar o delinquente em não delinquente de uma hora pra outra. Não! Não temos o poder de mudar o passado de ninguém! E sim! Temos o poder de reintegrar o delinquente à sociedade, após o tratamento e a recuperação do mesmo.
O ser humano é e sempre será ser humano, homo sapiens sapiens, e, por mais que queiramos extirpar as feridas da sociedade, muitas vezes a melhor saída é tratar o ferido e testá-lo. Se um cirurgião amputasse todo membro doente, o número de inválidos seria exorbitante, e a sociedade não sobreviveria em meio a tanta dependência individual.
Grande número de pessoas pensam que “ bandido deve morrer”, que “ pena de morte devia ser obrigatória”, mas nunca se lembram que todo mundo está no mesmo mundo, sob mesmas leis, e quem outrora fora apontador, um dia pode ser apontado. Ninguém está livre de sofrer as cominações legais, nem o repúdio de uma sociedade que só pensa no agora.
Nossas leis punem quem mata, rouba, estupra, trafica, sonega. Mas se um dia, as mesmas vierem a punir a quem mente, trai, ofende e magoa, qual de nós será poupado? É o ensinamento de Jesus Cristo que nos deve nortear: Quem nunca cometeu pecado, que atire a primeira pedra.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

CORAGEM E MEDO

        As sombras bruxuleavam pela parede. Vinham pela janela do poste em frente a casa. Um silêncio sepulcral reinava. Relativamente, já que o único som que se ouvia era o do ventilador, espalhando o calor para o canto do quarto. Nas sombras, figuras se formavam numa sucessão interminável. Era bonito, mas também era assustador. Uma criança desafiando a si mesma diante de uma ousadia inebriante entre o medo e a coragem. Era uma prova pessoal! Enfrentar as sombras nas paredes e o silêncio era o rito de passagem do menino para o homem.
         Permaneceria lutando contra os monstros das sombras a noite inteira. O menino dizia de si para si que era corajoso, era macho mesmo, viu! Pois sim.
       Eis que o calor foi refrescando, o ar umedecendo, e um cheiro de terra molhada entrou naquele quarto azul de menino. Um vento frio motivou o menino a levantar correndo as cobertas, desligar o ventilador, e voltar pra cama, para encarar suas sombras aterrorizantes que queriam amedronta-lo. Nunca! Jamais perderia a peleja contra aqueles monstros etéreos.
       Delicadamente, pequenos pingos de chuva começaram a cair do lado de fora. De pouco a pouco, tais pingos foram tomando corpo e criando uma sinfonia de plocs plocs pela janela. Assim, foi-se formando uma delicada chuva que soava sua sinfonia e respingava o rosto do menino a medida que se chocavam com o beiral da janela.
       Era uma sensação deliciosa. Enquanto o frescor tocava a pele, a luz refletia nos pingos como uma chuva de diamantes. Durante esse momento, os ouvidos ouviam o som da chuva, também os olhos viam o som da chuva, e a pele sentia o som da chuva. O menino abria a boca a procura do gosto do som da chuva, e seus lábios sorriam com o beijo do som da chuva. Era uma música suave, doce, baixinha. Era o prêmio do menino que vencera as sombras da parede. Os monstros das sombras. O êxtase do menino. Os olhos fechados para ouvir.
       Um raio cruzou o céu e o menino abriu os olhos assustado com aquele clarão que conseguiu ultrapassar as pálpebras fechadas do pobre menino. Num susto, ele fechou a janela e cobriu o rosto.
       Não, não poderia se acovardar ante aquele simples relâmpago! Arrancou a coberta do rosto e encarou altivamente a parede. “Quem esses monstros pensam que são? Pensam que são mais determinados que eu?”. E, agora, fixou o olhar na parede de uma forma que nada iria tirar dele aquela coragem orgulhosa que tinha acabado de conhecer. Nada!
       Mas não foi bem assim que aconteceu. Subitamente um trovão se fez sentir, e começou a tremer todo o quarto do pobre menino que levantou-se imediatamente e foi correndo para o quarto ao lado, sem bater na porta, sem calçar as sandálias, e disse de forma assustada: “ Manhê, posso dormir com você?”. E pensou consigo mesmo: Deixa pra eu ser corajoso amanhã, né!?

Daniel, 27/10/2011 , 01:39

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sonho de um trem.

Já é noite. Noite varando madrugada afora. E o sono não vem. Na verdade, creio que minha mente não consegue parar de pensar e entrar na paz necessária para receber a chegada do sono. O sono dos justos, não estou pronto para ser o justo dessa vez.
Então, como já é de minha especialidade, mergulho na minha mente, minha mente presente, minha mente vindoura, minha mente pretérita, de um pretérito mais-que perfeito.
Eram dias frios como este, eram dias passados, é o espírito do ontem pairando sobre o hoje. É uma dança de almas cheias de saudades e nostalgias que me tomam de assalto e me colocam aqui, de frente para essas teclas e palavras soltas que se fiam com o fio da nostalgia. É de saudades e de vontades que eu estou cheio. Talvez meu presente não seja o hoje, o agora, talvez o meu presente veio embrulhado em embrulhos já conhecidos, com a surpresa já revelada. Ou então meu presente está no porvir. No presente que não chegou, que não tem hora pra chegar, que não há como prever ou analisar.
E de mente cheia de saudades, não consigo deixar o meu corpo fluir rumo ao mar dos sonhos. É a mente emocional que me ancora a esta praia, esse rio, esse lago. Aproveito a água que me envolve e mergulho na minha imaginação. Agora estouo olhando minha vida pelo retrovisor, as flores por que passei e os espinhos que outrora me furaram a pele, e hoje só são simples cicatrizes, como rugas de idade.
Sentado aqui no meu trem da vida, olho pela janela e vejo a paisagem correndo, se misturando, brincando de viver, na bucólica e doce corrida de um trem que veio lá de trás e vai para não sei onde.
Será que o destino é mais importante do que a própria viagem? Não sei. Creio que não. Mas, apesar de desconhecer o porvir, eu vou com impulso de quem quer chegar a última estação, ao porto seguro, ao fim da viagem que irá recomeçar com um novo destino muito menos conhecido do que o atual, já que não sei de onde partirei.
Mas sei que estou nesta viagem que partiu da semente que brotou numa terra fria e seca e foi nutrida em colo de mãe quente e farto. E hoje, este homem que caminha pelos trilhos da vida, não quer saber se o ponto final será bom ou mau, apenas o fim para o recomeço de uma nova viagem. Uma nova estação. Um novo roteiro. Outro trem? Um ônibus? Um barco? Não me importo tanto com isso.
Mas daqui, do meio do caminho, minha vontade é estender minha mão para fora da janela e tocar os trigais que dançam ao vento, dourados pelo sol. Meu desejo é ser também um pouco trigo, um pouco trigal. Ser paisagem. Natureza viva e lenta. Natureza natural.
E é assim, nesse caminho que é partida, que é chegada, que é caminho, o nirvana da vida mostra que a direção já foi escolhida, que as paradas estão aí, para parar ou continuar, que os cruzamentos estão para as decisões e desejos.
Meu trenzinho segue no seu ritmo, e eu não posso mais continuar tecendo meu pensamento porque, vindo de não sei onde, ela senta ao meu lado no mesmo vagão. Minha filosofia se cala e passo a ser observador dessa realidade utópica. E assim a vejo. Sobre seu corpo esguio, um vestido preto, uma bolsa combinando com os sapatos de salto alto, eu uma sombrinha de senhora às mãos.
Perguntei a mim mesmo quem é essa dama tão vistosa e de ar tão superior que se sentou ao meu lado e não me olhou por um momento.
Meio curioso e ao mesmo tempo tímido, olho novamente para os trigais do lado de fora da minha janela. Percebo que entro em um túnel. Tudo se escurece. Olho  para o lado e não vejo nada. Mas um perfume de rosas bem discreto me faz ter a certeza de que a dama ainda está ao meu lado. Muda. Não consigo parar de pensar em quem é essa dama num quase luto. Nesse exato momento, me esqueço completamente da minha viagem, do meu passado, do meu futuro, e começo a saborear o meu presente. Em minha cabeça, começo a imaginar quem seria tão distinta senhora. Seria uma viúva mantendo seu luto? Uma senhora a espera de seu consorte? Uma mãe indo se encontrar com seus filhos? Uma fugitiva de uma vida medíocre, andando sem rumo com um desejo impetuoso de chegar ao destino.
Saímos do túnel.
Olhei para o lado e a dama permaneceu impassível. Nem um movimento, nem uma palavra, nada.
O maquinista anuncia a próxima estação. A dama faz menção de se levantar e olha nos meus olhos com um olhar convidativo.
Será que ela me pedia para descer ali? Seria ela um sinal de que era a hora de deixar a viagem e partir com ela?
Me decido por ficar. A dama chega até a porta do vagão, me olha, sorri, e, antes de saltar na estação, me diz as duas únicas palavras de toda a viagem: " Boa escolha."
Em uma confusão do que aquilo queria dizer, olho para o lado onde outrora esteve sentada a dama de negro e me deparo com uma foto em sépia antiga tirada de um vagão de um trem, talvez deste mesmo trem, dos mesmos trigais que me ladeavam, e, atrás, em letras de bela caligrafia feminina, lia-se " Último Desejo".
Seria este o epitáfio da bela dama? Seria uma mensagem direcionada a mim?
Só agradeço não ter parado naquela estação, que, talvez, teria sido a minha última, pois quem assinava atrás daquela foto era a Infelicidade.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Era uma vez...

Era uma vez um menino em busca de respostas para o mundo.
Era um menino diferente dos outros: sério, responsável, não se sujava no pátio do colégio.
 Brincava na areia da praia, e não entendia que aquele todo era apenas a comunhão de muitos grãos de areia.
Nadava no mar, mas não sabia que aquilo tudo era também uma união de gotículas de água.
Sentia o sal no mar, mas achava que tinha sido colocado lá por algum desavisado que acabou por salgar o mar.
Esse menino construía castelos de areia com muito amor, detalhes e paciência.
Seu lindo castelo que o mar iria desmanchar. Mas não importava.
 Do castelo se fazia piscina e a felicidade permanecia.
 Sua mãe lhe dera um picolé. Sua única preocupação era não deixar que ele derretesse.
Brincava de procurar conchinhas. Escolhia as mais bonitas e guardava. Talvez dariam para fazer um belo colar. Em casa, as esquecia.
Tinha um mundo inteiro a sua volta, mas vivia sempre em seu mundo particular, com algumas interações com o mundo público.
Esse menino não tinha se dado conta de que ele também era uma gota, um grão, uma praia em si. Esse garoto era indivíduo, mas também era parte de uma multidão.
O Sol batia em sua pele e o garoto nem percebia.
A pele, agora, ardia. A areia ardia. E o menino conheceu a dor de ter se entregado tão profundamente ao prazer de um dia de verão.
Então o menino chorou. Sua mãe lhe deu colo e o levou pra casa.
Desejou nunca mais ir a praia.
Tomou banho de água doce e foi dormir.
E sonhou.
Sonhou que havia crescido, e seu dia na praia foi um dia de amor. Aproveitado bem devagar em seus mínimos detalhes.
E, no dia seguinte, voltou a mesma praia, construiu o mesmo castelo de areia que virou piscina, chupou o mesmo picolé, queimou sua pele mais ainda. E assim foi, dia após dia.

O menino que amou o mar, a areia, o picolé, o colo da mãe, agora lembrava-se da pele que ardia, mas não era a pele que ardia agora.
 O menino ardia por dentro. O sol fez pousada dentro dele.
 E, quando o sol se pôs, queimado ficou o coração do rapaz.
De coração queimado, chorou, limpou seu machucado e foi dormir.
E, no dia seguinte, eis que o amor novamente o chamou.
O medo de se queimar agora existia.
Mas o rapaz entendeu ser parte de um ciclo. Não poderia ser parte de nada, se não se deixasse queimar por dentro mais uma vez.
E assim, entre praias, amores e dores, o homem se deu conta de que não era culpa do sol, nem do amor, nem da dor, era apenas a felicidade que se fez pequena quando pequena, grande quando grande, e eterna enquanto vivo.

Daniel Mancini Bitencourt - 04/01/2011 

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Conversando com Deus

Deus, hoje eu percebo o quanto fui e sou negligente contigo. E o quanto o Senhor é determinado e amoroso comigo. Muitas vezes Te perguntei aonde Tu estavas enquanto eu me sentia só, fragilizado, sentindo pena de mim mesmo. E muitas vezes, " Te castiguei" deixando de ir a igreja e ouvir-Te. Mas o único que se castigou nesses momentos, fui eu mesmo.
Não entendia que a vida era como uma plantação. Pra semente germinar, ela precisa de morrer como semente e nascer como broto. Para o broto virar muda, ele precisa se livrar da terra que o sufoca. Para a planta crescer, ela precisa crescer em matéria e movimento e virar útero, esperar ser fecundada, e virar flor. E, ao ser flor, ser admirada por sua beleza, suas cores, sua vivacidade exuberante. E ser flor sozinha, sem ervas daninhas nem mato a encobrir-lhe a beleza. E ser uma flor no meio de várias flores, ser bela, saber ser e saber respeitar a beleza alheia. E saber que chega a hora da flor morrer. E da flor podre, morta, nascer o fruto. O verdadeiro sentido da planta. E ao fruto, cabe crescer e cumprir sua missão de ser doce. Ser doce, e único. O fruto, então, deve cair da árvore e se tornar independente, livre. Para que poça ser comido e preenchido sua missão na terra.
É um eterno círculo de mortes, vidas, renascimentos, e vivicidade. Hoje enterro mais uma tentativa de dar vida ao que não era semente. De fazer frutificar ao que não era ainda flor. A aprender a entender os tempos de Deus. Suas safras, entre-safras, estiagens, geadas, queimadas e tudo o mais que interfere no perfeito ciclo da vida.
Deus, estranho como eu gostaria de Te escrever para Te pedir ajuda, enquando o que saiu de mim foi só um louvor pela vida que nos destes.
Obrigado, mais uma vez, Senhor, por ser meus ouvidos quando não há mais quem me ouça, minha força, quando não tenho mais ânimo, minha vitória, diante de tantas derrotas, meu Deus, diante de tanta ausência.
Amém

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

É impossível!

Aonde quer que eu esteja, por mais que eu me esforce, mesmo que eu tente manter o equilíbrio e a paz emocional, tudo me faz lembrar você.

Estava aqui, entre amigos íntimos e família, tomando uma cerveja despretensiosamente, e alguém falou que iria fazer uma cuba-libre.

Para que...

Eu acabei entrando naquela máquina do tempo e voltei para a primeira vez que resolvemos sair para nos divertir. Eu tomando cerveja. Você, cuba-libre.

Comecei a me lembrar do refrigerante que você gostava no seu drink. Do rum que era o seu preferido. Das suas teorias de que era melhor tomar aquele drink do que cerveja porque, além de tudo, não engordava.

Me lembrei que eu ri e disse que não era o tipo de bebida que faria diferença, e sim a quantidade.

Dali pra lembrar do seu cigarro preferido, seu perfume característico, sua paixão por aquela torta alemã, seu ciúme pela franja, seu currículo emocional, seus gostos e desgostos, nosso passeio de mãos dadas pela praia...

Pronto!

Minhas memórias me levaram novamente para seus braços. Seus braços quentes e carentes. Sua carência de mim me fazia ter carência de te abraçar, proteger, consolar, cuidar.

O mais interessante é que eu nunca fui de ser um cara sentimental.

Pelo contrário, o que a razão não explicava, eu desconfiava.

Por isso mesmo, desconfiava até de mim, por estar apaixonado, e por não poder transformar o amor em uma fórmula lógica e exata.

Acho que sou um cara muito mais intelectual do que real.

Calma, eu explico.

Vamos pegar como exemplo o sexo.

Eu não sou um cara sexual no sentido estrito. Eu não tenho necessidades do sexo em si. Eu sou um cara com uma necessidade sexual feminina.

Sinto muito desejo de ter em meus braços a pessoa que eu amo.

Não quero dizer que não sinto o tesão puro e simples. Sinto, mas sinto da mesma forma que sinto necessidade de algo fisiológico. Não é algo prazeroso, é simplesmente algo necessário.

Outro exemplo é a minha relação com o amor. O amor para mim sempre foi algo de compromisso, de sustentação, acompanhamento, acessória mesmo. E vejo que para você é algo menos pretensioso, mais emocional. Talvez até somente emocional.

Essa diferença poderia ser traduzida em complementaridade, mas não foi assim.

Ao rompermos com tudo, rompemos por questão de orgulho. Orgulho seu e meu. Características idênticas, mas focadas em direções opostas.

Lutei muito contra meu orgulho. Fiz tudo o que eu podia e sabia para ser feliz. Mas não funcionou. Fiz de você um ser divino na terra. Te coloquei num altar. Te endeusei. Me humilhei. Me feri. Te sufoquei com meu ciúme.

De tudo, só posso concluir que eu ainda estou em você e você está em mim, mas agora, fisicamente e emocionalmente distantes.

Não sei se esse vínculo permanecerá eternamente ou se um certo dia irei me lembrar disso como nostalgia. Porém amor não combina com orgulho, talvez combine com nostalgia, saudades, sofrimento.

Talvez combine com tempo.

Talvez...

Sem ar

“O que não me mata, me fortalece”.


É o que dizem por aí. Eu não sei se estou de acordo com isso. Muitas vezes estive em situações, por assim dizer, de quase morte. E não sei se saí delas um pouco mais fortalecido não. Talvez, se eu mudar um pouco as palavras, acho que posso dizer “O que não me mata, me enfraquece”. E é assim que eu sinto.

É assim que eu estou.

Ferido por dentro de um amor que não quer de jeito nenhum sair dos meus pensamentos e de meu coração. E nem mesmo sei se quero tirá-lo daqui.


Ferido por entrar diariamente em um ambiente hostil onde só vejo cobranças e muito pouca ajuda de quem poderia fazê-lo e não quer.

Ferido por me sentir frustrado com meus sonhos, por que sempre há tantos obstáculos no caminho?

Ferido por ser meu próprio julgador, e me julgar com muito rigor.

Mas acho que o que mais me machuca é não ter o mesmo equilíbrio emocional do qual eu tanto me orgulhei de ter.

O cara harmônico, alegre, pleno de paz a ponto de distribuí-la aos outros simplesmente sumiu. Entregou as chaves e saiu do meu corpo.

E agora o que me sobrou? Um decadente angustiado, amargurado, sofrido e impotente.

Um cara com uma sobrevida, em estado terminal, num coma que nunca termina.

Meu Deus, por que não abreviar minha vida logo?

Não sei por quanto tempo conseguirei resistir a viver pelas metades.

Quero abrir minhas asas e voar. Voar na imensidão do céu, entre as nuvens, sozinho, como um anjo curtindo férias.

Essa cela em que estou não tem barras nem grades, não me priva a liberdade, mas me impede de voar.

Sou assim, passarinho engaiolado, que canto de tristeza com saudades do sabor da fruta no pé e do vento lambendo meu bico.

Posso estar exagerando em minhas palavras, mas de que vale a vida sem algo motivante?

Não quero mais uma vida comum, ordinária.

Na verdade, nem sei o que eu quero.

Só sei o que eu não quero. E o que eu não quero é viver sem ar.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Da Separação

E depois de tantas coisas, o que mais falar? Boa Sorte? Tudo de bom? Vai passar?
Nem sempre há palavra pra exprimir o que se sente quando o que se tem no coração é simplesmente um luto etéreo de um amor que outrora fora tão vivo que chegou a ser substantivo concreto. Então, uma carta de separação não é nada além de um testamento; testamento esse em que o “de cujo” não está no caixão, pois apesar de ter uma vida substancial, sua morte permanece etérea e abstrata.
Isso, pelo menos, tem um lado bom; sem cova, sem corpo, sem lápide, sem herança. Mas há o legado.
O que sobra das juras de amor?
O que sobra da fidelidade?
O que sobra do respeito?
A quem pertencerão as músicas, as eternas trilhas sonoras da vida, dos poetas a quem esbulhamos e usucapimos?
Não, caro compositor, tal quais os aforismos e ideologias escritas e publicadas, a propriedade emocional destas suas obras não são mais suas. Pelo menos, não exclusivamente.
Desculpeis-me todos vós: Clarisse Lispector, Fernando Pessoa, Elisa Lucinda, Vinícius de Moraes, Tom Jobim e todos os outros que enamoraram-se do o Amor. Podem ser suas as letras, frases, palavras publicadas. Podem ser suas as célebres frases, poesias, sonetos, livros, textos. Mas o Amor não casa.
Esse eterno namorador seduz, envolve, adoça a boca, mas, de repente, ele se vai. Vai para os braços de outro casal inocente e suplicante.
E às letras somam-se as canções. Com melodias que tocam profundamente a alma, as letras são cantadas, faladas, repassadas, boca-a-ouvido, ouvido-a-boca.
Sim, minha herança é um coração partido. Mas coração partido não é herança, é momento. Então eu rogo-te; suplico-te; imponho-te!
De tudo que me destes, de tudo o que eu te dei, não me devolva nada. Este legado é seu ou de quem o quiser. Fica a teu critério.
Mas do nosso espólio, só não abro mão do Roberto. Eu fico com "Detalhes", você com "Emoções".

terça-feira, 12 de maio de 2009

"Palavrisação"

“Palavrisação”

-“Preciso falar com você. Depois eu passo aí.”

Certas vezes, escuto certas frases assim, vazias em si, mas cheias de significados ocultos que espalham nos meus olhos muitas situações, possibilidades, sentimentos...
Antes mesmo de saber o motivo de tais palavras, minha mente entra em um processo de especulação fortíssimo. Sinto que tais palavras foram catalisadoras de uma reação psicológica de grande magnitude. Minha mente escapuliu pro coração, e o coração escapuliu pro crânio. Não sei se penso, se sinto, se me preparo para o pior, se me desligo disso que pode vir a ser uma bobagem ( o que muitas vezes é).
Porém a reação é inevitável. E a partir de agora vou me preparando para sofrer. É claro que pode não ter nada a ver uma coisa com a outra, mas é uma reação instintiva, não tenho o que fazer, é meu corpo de gente, desse bicho estranho que é gente, que grita, que me faz calar, que me faz obedecer.
Tais frases são perigosíssimas, pois desde o momento que as ouvi, vou matando aos pouquinhos tudo o que possa vir me ferir ao serem ditas as “ benditas” palavras deixadas para o depois.
E o que me assusta é realmente isso: matar por medo de morrer.
Se forem ditas por um amor, esse amor estará tão esfolado no momento do “vamos ver” que nem sei se vou querer ouvir o que se tem a dizer. Talvez, eu tenha mudado tanto que o que venha a ser dito no momento oportuno já não faça mais a mínima diferença, pois já não há mais o que se resolver sobre o que não mais existe. Falar de amor, de como consertar ou terminar de vez, talvez não seja necessário. Talvez seja o mesmo que querer se unir a pessoa já morta. Algo meio Romeu e Julieta; um mal entendido irreversível.
Se forem ditas por um amigo, pronto, lá se foi uma amizade, ou lá vem um belo esporro que irá mudar drasticamente os rumos do laço criado. Algo nesta amizade irá mudar. E nem sempre será para melhor.
Na verdade, tais palavras se vestem de palavras, quando na verdade não passam de silêncios promulgados. É como se eu te olhasse com olhos de “ depois conversamos”; mas verbalizado. É a “palavrisação” do olhar.
Acho que esse “ palavrisar ” é o real problema. Nós não somos feitos para adivinhar, mas para sentir, ouvir, imaginar. Se algo só pode ser demonstrado no gestual, no tête-à-tête, por que essa ridícula “palavrisação” terrorista?
Terrorista mesmo, pois quem fala, prepara o campo para a batalha, e quem ouve, se prepara para a derrota iminente. Já levanta a bandeira branca antes mesmo de conhecer o exército inimigo, que pode ser ridiculamente menor que o nosso próprio. Ou então, comete um “harikiri preventivo” que é um contrário ao ser cativo de alguém. Me liberto de ser morto por outro me matando. Torturarei o meu algoz me torturando antes!
E assim, deixando um espaço entre o “palavrisar” e o realmente dizer, deixa-se muito mais. Deixa-se pelo caminho a pureza e a espontaneidade das palavras, que, por virem prematuramente, não conseguem sobreviver no colo espinhento do seu ouvinte.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Um conto de inverno

Era por volta das cinco, já estava no fim do expediente, o telefone vibra: uma mensagem. Dou uma parada no trabalho para ler a mensagem. “ O tempo frio está maravilhoso. Que tal esquentar minha noite? Traga um vinho”. Me demorei relendo a mensagem com um riso nos lábios. Ela sempre sabia como chegar a mim.
Saí do trabalho e comprei uma garrafa de um belo Malbec, sabia que ela iria gostar. Liguei o rádio do carro e ouvi uma musica bem romântica e excitante. Era francesa. O som me envolvia num clima bem próximo ao que estava se formando no ar. Uma atmosfera de desejo e paixão.
Toquei a campainha de sua casa. A porta se abriu. Um perfume adocicado saía de lá. Atravessei a soleira e ela estava lá, de pé, na minha frente, com duas taças de vinho e um abridor. Vestia um casaco de pele. Me entregou o abridor sem nada falar. Eu o peguei e me pus a abrir o vinho, sem dizer uma só palavra. Ela criou a cena, não seria eu que diria alguma coisa para desmanchar aquele momento. Ela me entregou as taças. Servi às duas e lhe entreguei uma. Deixei a garrafa no aparador do hall mesmo. Ela olhou pra mim com um olhar me encarando e disse: “-Gostou do meu casaco? Pois é só ele que me cobre”. E retirou delicadamente o casaco, mostrando seu corpo nu escondido sob aquele peludo item de vestuário.
Seu corpo era magnífico. Os belo cabelos castanhos cobriam seus rígidos seios, lindos, e como uma índia, não havia mais nada a cobrir-lhe sua formosura. Sua pele era alva como algodão, seu corpo, um corpo de uma Vênus, milimetricamente belo, fez meu coração disparar, meu membro enrijecer, e minha pele corar.
Sem nenhuma palavra, ela virou seu corpo em direção à suíte, e só me deixou um olhar pedindo “vem”, e eu fui. Entrei na suíte, ela era iluminada apenas por velas, a cama e o chão em seu entorno estavam cobertos de pétalas de rosas vermelhas, e o cheiro das rosas misturava-se ao cheiro de seu corpo, vestido apenas com um excitante perfume.
Ela ergueu a mão como se pedisse a minha, eu dei. Puxou meu braço e me deu um beijo maravilhoso. Seus lábios tinham gosto de morangos, sua pele ardia em calor. Nossa, como ela estava quente! Abri o dossel e tive a melhor noite de minha vida.Amanheceu uma bela manhã de inverno. As gotas de orvalho nas flores das jardineiras, o sol enevoado pela neblina da manhã, um frio gostoso. Olhei para o quarto invadido pela luz do crepúsculo, apalpei o meu lado da cama esperando encontra-la. Ela não estava. Pensei q ela deveria ter acordado antes de mim. Chamei por seu nome sem nenhuma resposta. Levantei-me, e junto a sua penteadeira havia um bilhete com meu nome. Abri o bilhete, e o que li foi surpreendente. “Querido, nossa noite foi maravilhosa, pena que foi a última. Estou indo para Londres. Me caso esta noite. Não se preocupe com a casa, ela já foi vendida. Beijo.Adeus”.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Homem que me serviu de exemplo

O Homem que me serviu de exemplo

Um dia chorei muito. Chorei de soluçar. Tinha acabado de chegar de minha escola, almoçado, feito minhas lições. Fui deitar, sentia uma tristeza profunda. Minha mãe foi ver o que estava acontecendo:
-O que foi, meu filho? – Ela perguntou e sentou-se ao lado de minha cama.
Tentando falar, traduzir em palavras o que eu sentia.
Lembrei-me que meu avô estava doente, era câncer, e era terminal, tinha visto ele quando tinha acabado de chegar da escola, ainda de mochila nas costas.
Descobri o motivo de minha tristeza.
O homem que me serviu de exemplo por muitos anos. O advogado em quem me inspiro, em quem almejo alcançar, nem que seja um dedinho, do que era ele. Meu avô era doce. Doce como os caramelos, que sempre encontrava naquela mesma bomboniere amarela, em cima da geladeira, e que eram maravilhosos. Maravilhoso porque tínhamos que conquistar, pedir mesmo, na cara dura. E ganhar era como um prêmio.
O homem que me serviu de exemplo às vezes comprava uma caixa de chicletes de hortelã para distribuir entre os netos. Ele tinha uma regrinha: “- Só dou outro quando esse acabar o gosto, viu? ” E o gosto acabava logo, tanta era a vontade de pegar um novinho.
O homem que me serviu de exemplo abria seu maço de cigarros, retirava o papel que envolvia os cigarros de dentro do pacote, e nos pedia pra desenhar nele. Sim, ele fumava, esse foi seu mal.
O homem que me serviu de exemplo apagava as luzes da sala e fazia brincadeiras com a brasa do cigarro, era linda, a brasa do cigarro fazia linhas pelo ar ela uma visão maravilhosa, a beleza do fogo...
O homem que me serviu de exemplo me deixou uma lembrança final: uma maca de hospital fora instalada na sala, ele estava nela. Um balão verde de oxigênio em pé ao lado dele.
Naquela tarde, com minha mãe ao lado de minha cama, eu só pude responder a ela:
- Mãe, o Vô vai morrer!?
Ela disse:
- Vai, meu filho!
Mas o que ela não sabia é que seria no mesmo dia, mas eu sabia, não sei como, mas sabia.
Acordei com ela, forte, ao meu lado, me chamando para acordar:
- Meu filho, seu avô...
Não foi preciso mais palavras, meu coração sabia.
Saí correndo em direção à casa dele. Meus tios interrompiam a passagem de crianças, acho que porque achavam que seria uma cena forte.
Furei o bloqueio. Entrei na sala. O ar estava negro. O clima era só dor. Minha vó estava forte. Segurando bem a barra. Ví meu avô imóvel na maca, sangue subia pelo tubo de oxigênio. Maldito balão que roubava o que sobrou de meu avô pra ele e não deixou para mim...
E minha mãe, como conseguiu ser tão forte? - era o pai dela... - meu avô...
O homem que me serviu de exemplo hoje mora no céu, com Deus, e servindo de exemplo para outros anjinhos menores, que devem saber que o homem que me serviu de exemplo não era apenas meu avô, era meu anjo.


Daniel Mancini Bitencourt
21 de junho de 2006 – 23:00 h

sábado, 20 de dezembro de 2008

Sexo Ornamental!

Já reparou como hoje em dia o sexo se separou do amor de tal forma que sexo e amor coexistem, porém não se misturam?
Estranhíssimo ver como as pessoas estão interessadas em uma performance teatral na cama, coisas que funcionam bem em filmes eróticos, mas não tão bem na vida normal.
“Fazer amor”, o que já foi sinônimo de relações de amor íntimas, incluindo sexuais, hoje dá espaço a “transar”.
Não quero ser careta nem tampouco hipócrita, sei que o sexo é algo delicioso, e que tem seu lugar na vida, porém, a busca incansável pelo sexo casual, descompromissado, individual e egoístico tem nos levado a uma solidão.
Será que sexo casual é amor?
Eu, realmente, duvido muito.
E você, realmente já amou alguém alguma vez na sua vida?
Pois eu não me lembrava mais, não sabia mais se o amor era assim ou era um querer-bem, uma cumplicidade, uma admiração.
Dia desses, conheci uma pessoa. Essa pessoa poderia ter passado por mim como qualquer outra pessoa. Mas não, ela ficou.
Não digo que ficou fisicamente, ocupando o mesmo espaço que eu, mas ficou gravada em minha pele como tatuagem.
E este amor, tem algo de divino, algo que não pode ser explicado por nenhuma cabeça humana. Não é racional. É puramente sentimento.
Fazer amor é uma delícia, mas simplesmente dormir ao lado dela é excepcional.
Sem nenhum kama-sutra que nos oriente, sem auto-ajuda para sermos os melhores na cama, sem bíblia que nos condene ou bocas que nos falam do que não sabem. Sem especulações nem lógicas de cordel.
Amor não vai as olimpíadas. Amor não tem medalha de ouro. Amor não é contorcionismo. Amor não é esporte.
De ornamental, quero só as palavras ao pé do ouvido, as juras de amor eterno, a fidelidade e, principalmente, a felicidade.

Daniel Mancini Bitencourt – 20/12/2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Vento, chuva, azul, cinza, pássaro, cavalo, anjo e eu

Está ventando. Tenho medo do vento. Ventos fortes e assustadores. Ventos de mudança. Ventos que te lambem a cara e te mostram que as dunas onde repousas não são concretas. Só a pedra é fixa. A vida é uma sucessão de ventos, brisas, tufões, furacões...
Porém, adoro a chuva. Sei que muitas vezes o vento traz a chuva. Sei que a chuva não é tão querida por todos como eu gosto. Chuva lava, limpa, recomeça, germina, fortifica...
Minha vida é um momento onde os oráculos do vento me assustam e da chuva me animam.
Acho que encontrei a palavra certa: oráculos.
Outro dia estava conversando com um senhor, amigo meu, e este me dizia que seu joelho doía, sinal de que ia chover. Batata! Todos os dias que o encontrava no restaurante eu perguntava a ele:
-E o joelho? Será que chove?
-Chove nada, vai ser sol até quarta feira.
E o engraçado é que ele nunca errara. Várias vezes eu consultava a previsão do tempo antes de ir ter-me com ele. Sabia que íamos ter sol de rachar e nada de chuva por aqueles dias, mas mesmo assim testava a habilidade do joelho de meu amigo.
- Bom dia!
- Bom dia!
- Que solão, heim?! Pelo visto não vamos ver chuva por alguns dias, não é?!
- Que nada, hoje acordei com meu joelho latejando. Vai ter chuva sim, e das grandes.
Dei aquele sorriso e fui almoçar. Cheguei em casa ensopado. Chuva.
****

O vento diminuiu sua intensidade. Meu medo se abrandou. Por que será que o vento me trás medo? - que na verdade não é medo, é uma vigília, um estado de porvir sombrio -.
Olho para o céu e vejo as nuvens numa correria só. De onde elas estão vindo e para onde estão indo? Primeiro vejo poucas, como pequenos chumaços de algodão contrastando com o azul do céu. Agora elas começam a tornar-se mais densas e menos brancas, e o azul do céu já é algo quase oculto por elas.
O som do vento nas árvores e nos prédios continua a me incomodar. Incomoda como farpa de madeira no dedo indicador. Incomoda, mas não mata.
O céu já começa a escurecer. Não há mais o azul que ri, só o cinza que lucubra.
Eu gosto do cinza. Acho que cinza é cor do pensamento. A massa cinzenta.
As garças passam em revoada rumo ao seu ninho, seu descanso, sua meditação.
Como pode uma garça voar contra a ventania se eu tenho esse medo vigilante do que o vento pode trazer?
***

As aves são corajosas.
Enfrentam com bravura o vento que me assusta.
Queria ser ave. Não precisa ser uma águia, nem uma garça, talvez um simples pardal, um pombo de praça, sei lá. O que na verdade eu queria é ser corajoso de enfrentar vendavais e brisas leves com a mesma força e bravura.
Ouço o pio de um passarinho. Pio forte, agudo, mas ao mesmo tempo leve e musical.
Penso na coragem dos pequenos animais e começo a evoluir para outros não tão pequenos. Imagino o relinchar de um cavalo livre e arisco num belo campo aberto e sem cela ou arreio que o segure.
O cavalo é visivelmente forte, bravo, indomável (ao menos em sua natureza de cavalo). Cavalo sonha em voar?
É o pégaso o sonho de todo cavalo? Ou é sonho do homem que, sem se preocupar com o pobre animal, lhe coloca asas e o lança do precipício?
Teria o cavalo coragem de enfrentar os vendavais, tal como o pequeno pássaro o faz? Teria Deus, em sua majestosa brincadeira de criar barro e moldá-lo ao seu prazer de escultor, ousado uma “aberração” dessas?
Talvez nada tenha de aberração nisso tudo, talvez seja a perfeita completude do cavalo ser animal de terra que o faz ser mais que pégaso.
Talvez voar seja um dom para os mais humildes. Deus não deu asas aos espertos, aos fortes, aos inteligentes. Deus não deu asas aos homens, apesar de os homens criarem máquinas de voar.
Deus fez os anjos para a nossa imaginação voar. Ou para nossa inveja querer imitar?
Somos todos Ícaros e sonhamos em voar, mas cera de abelhas e asas emprestadas não nos fazem anjos. Anjo é anjo. Homem é homem. Cavalo não voa. Gaivota não galopa. Chuva não molha o nosso interior. Vento não varre um pensamento. Medo não é ausência de coragem. Cinza não é melhor que azul.
Tudo é um pouco de tudo, mas o tudo pode ser o nada pra um passarinho, um cavalo, ou até um anjo.
Eu sou um nada, mas um nada que queria ser tudo: homem, anjo, passarinho, cavalo, cinza, azul, chuva e..., não, vento não.

23 de agosto de 2008 – 17:48

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A ponte que divide a vida

Estou aqui tentando palavras para falar de algo novo que descobri nessa minha vida. Por ser sentimento é intangível, abstrato, impossível de ser sentido ao se escrever sobre ele, no máximo imagina-se o que o escritor quer dizer. E sobre esse sentimento já escreveram músicas, poesias, livros, peças, enfim, uma infinidade de expressões artísticas. Por isso vou pintar um quadro que traduza tudo que esse sentimento trás em mim.
Pinto inicialmente uma linha que divida a tela, metade é luz, metade é ausência de luz.
Na parte da luz, trago à tona a calmaria do barco, num lago calmo, em um dia de julho, balançando ao sabor das ondas. Trago o prazer, oriundo da paz, da tranqüilidade. Trago a esperança e a fé. Trago o dois, e não outro número, nem par nem ímpar. Trago a delícia e o sabor do doce e do riso bobo.
Do lado negro trago a paixão, com todas as suas vertentes que devem ser observadas. Trago o egoísmo. Trago a raiva. A chama ardente. O ciúme. A dor. Trago a imagem dos fogos no céu, belos, magníficos, mas a explosão e a ardência do fogo que o incita e lhe dá vida. Trago uma multidão. Trago a morte.
E o nome desse sentimento que paira, ora do lado negro, ora do lado iluminado da pintura, é, óbvio, o amor. É algo que é muito bom, mas que assusta. Do lado de dentro tem só luz.
Será mesmo?
Tem escuridão também, devo admitir.
Mas é como o prazer de um cigarro ou de uma picanha bem gordurosa. Temos consciência do mal que ele faz, mas também temos a consciência do prazer que nos proporciona. E sempre, na grande maioria das vezes, fazemos a opção pelo prazer.
Prazer é algo passageiro, eu sei, é algo que seduz e depois nos joga fora. Eu também sei. Amor ilude os olhos e o coração, isso é ótimo. Amor é televisão natural que nos faz fechar, por alguns momentos, os olhos para desgraças da vida, desgraças da dor, da morte. Amor é um remedinho pra doenças da alma. É uma utopia salutar. È a flor que nasce de um botão e dura pouco, até que murche e perca sua beleza e seu perfume.
Amor é estranho, é dolorido, nos faz sofrer, nos mata, mas, paradoxalmente, nos dá momentos que nos fazem segurar mais as pontas em meio à turbulência da vida, em meio ao caos em que vivemos e não admitimos, mas nós mesmo que o criamos, como também criamos a sociedade.
Amor é uma droga, um remedinho, uma pílula do momento feliz, enquanto a própria vida é a doença. A natureza sabe aonde pôr cada um dos dois. Onde cabe o amor e onde cabe a vida.
Viver não é amar, viver é adoecer, amar é se curar.
Por estes tantos motivos eu não me arrependo de estar aqui, pois, no final, no finalzinho mesmo, o equilíbrio não será entre a vida e a morte, não será a luz e a escuridão, mas será a meia luz da experiência que trará a todos a vontade de voltar. Aí será impossível, aí entender-se-á o porquê da vida, de você e eu.

A dor

Algumas coisas na vida foram feitas para ensinar.
Outras para nos fazerem sermos professores.
Dor é fácil, é vontade de chorar.
Amor é resposta, é vida; vivam os amores!

A dor pode ser profunda, vil.
A dor pode ser minha, sua.
A dor é palpável, é cruel.
Dor é profunda, é crua.

Na crueldade de tal sentimento.
Na fria e implacável realidade.
Parece interminável o tormento.
E dói, tamanha crueldade.

Mas não há como ter amor.
Sem que se conheça da dor.
É algo sem doçura
Que faz sentir o doce sabor, a fruta madura.

Passam-se as dores.
Vêm-se os amores.
Lembrar da dor.
Garante a força do amor.

Palavras passam.
Os momentos passam.
Dores passam.
Amores passam.

Mas amores voltam
E, como um bálsamo, curam.
Todo coração ferido reage.
A Fênix sempre renasce.

O remédio é o veneno.
Que mata o enfermo.
Mas renasce deste enterro.
Um novo, um menino, um pequeno.

A importância do beijo na testa e do abraço apertado.

Muita gente diz que amor de mãe é diferente de amor de pai. Eu nunca tinha entendido isso até hoje. Pensando na vida como tenho costume, comecei a diferenciar o tipo de tratamento de pais e mães para com seus filhos e, conseqüentemente, o tipo de amor com que cada um tem por seus filhos particularmente.
Amor de mãe é mais próximo, é amor de quem sabe que para que aquela pessoa existisse dependeu dela por nove meses e deu a ela seu próprio sangue, sofrimentos, carinho. O filho é amado pela mãe por ser parte dela que se soltou do corpo. É muito forte a ligação entre mãe e filho. É pela mãe que as crianças chamam quando têm fome, sede, medo, saudades. É pela mãe que a criança sabe que encontrará calor, comida, lar. Contudo o amor de mãe é dependente do amor do pai.
Apesar de o pai não estar tão próximo dos filhos como a mãe (engloba-se no sentido de próximo presente, confidente, carinhoso) na maioria dos casos, é nele que os filhos encontram segurança para além do lar. Enquanto a mãe prepara o coração do filho para o mundo, para agir em seu futuro lar formado por suas escolhas, cabe ao pai mostrar que tudo no mundo tem seu preço e que a segurança e integridade do lar está nas suas mãos.
Não quero que penses que estou refazendo a divisão já abolida de homens e mulheres em que a mulher cuida da casa e das crianças enquanto cabe ao homem cuidar do sustento do lar - longe de mim! - o que quero construir através dessas minhas palavras é que pai e mãe têm, ambos, papéis importantes para a criação do ser humano.
Pai é beijo na testa, é preocupação com trabalho, é cansaço constante, são contas a pagar, trabalho a se fazer, dinheiro a se ganhar. Mãe é abraço apertado, é calor, é chorar ao ver novela, é cozinhar algo diferente...
Hoje sabemos que existem pais que tem amor de mãe e mãe que tem amor de pai. O que não podemos admitir é a ausência de ambos os amores na criação. Não importa se o responsável pelos filhos seja só a mãe ou só o pai, ou então um parente ou um estranho que surge de pára-quedas.
O importante é que abraço apertado e beijo na testa não faltem nunca.
Quem sabe o que é amor de pai e o que é amor de mãe sabe o que eu estou querendo dizer. Por isso para todos os pais: dêem mais beijos nas testas de seus filhos; e mães dêem mais abraços apertados nos seus filhos. Pois só assim teremos o mundo habitado por seres mais humanos e pessoas mais felizes.

Daniel Mancini Bitencourt

Flashback

Flashback
Estava agorinha mesmo pensando comigo mesmo se em 24 anos de vida eu teria material suficiente para minha biografia. Não sei se cheguei a uma conclusão a esse respeito, mas veio a minha mente cenas de minha infância que até hoje trazem alegria no meu coração. Lembro de dias de sol em que brincava com meus amigos na rua até a noite cair e não havia risco de sofrer com a violência das ruas que hoje atormenta tanto a sociedade brasileira. Lembro das brincadeiras de rua, pique pega, pique alto, queimada, futebol e tantas outras brincadeiras de criança que me fizeram ser o adulto de hoje, com memória e satisfação. Lembro da minha pequenina casa e da alegria que se tem quando não se tem tantas preocupações além de escola e deveres de casa. Lembro das festas de aniversário regadas a refrigerantes em garrafas de vidro e brigadeiros em forminhas de alumínio - tradição esta que até hoje existe em minha família -, lembro da janela de madeira com grades- mesmo sem entender naquela época se elas eram pra proteger de quem estava fora mal intencionado ou de quem estava dentro de cair dela.
É tudo muito simples quando se é criança porque criança vê o dia de sol e de chuva com a mesma alegria, sabendo que cada dia é uma novidade e cada dia pode ser divertido e emocionante como nunca. Sofrer por antecipação quando se é criança não existe, sofre-se no tempo certo e acabado o sofrimento vem a alegria instantânea, não é como nos adultos que colocam uma zona gris entre os opostos para prepararem-se para aquilo que vem de repente e não se sabe qual reação tomaremos e, portanto, impassível de ser preparado.
A total ausência de maturidade não faz das crianças menores que os adultos, mas pelo contrário, faz com que olhemos para cada dia como se fosse único; e é! Os dias são iguais, mas ao mesmo tempo são únicos. É o paradoxo inexplicável da vida. Só se entende as coisas depois que passam e olhamos para elas como uma história bonita, uma novela em que as personagens somos nós, e que parece que teve seu início meio e fim, mas o fim na verdade não é esse, porque o fim de uma fase da vida é o início de outra e assim também em tudo o que existe nesse mundo.
É; olhar pra trás é bom mesmo, ver tudo o que fiz e quem me acompanhou nesses momentos, mas olhar os sonhos atemporais permanentes nos fazem olhar para o futuro com ares de vencedor.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Eu não tinha bicicleta...

Eu não tinha bicicleta...

Eu era uma criança sem bicicleta. E na minha época ter bicicleta era o máximo, era ser alguém, era um status entre as crianças. E eu não tinha bicicleta. Eu não me trancava em casa e chorava, nem fazia cenas com meus pais por causa de uma bicicleta. Eu só não tinha uma. Muitas vezes eu queria andar de bicicleta, pedia a meus amigos, mas eles estavam ocupados demais curtindo seu privilégio de ter uma bicicleta que não podiam emprestá-la. Não os culpo. De maneira alguma gostaria que tivessem pena de mim. Enfim, quem tinha que se contentar em correr atrás das bicicletas era eu. Eu ouvia os risos das crianças sobre suas bicicletas rondando o bairro todo lá de trás, na distância que eu conseguia chegar correndo. Mas mesmo assim eu era feliz.
Vejo que hoje em dia a coisa não mudou muito. Quem tem um Playstation ou um aparelho de celular deve ter a sua volta outros colegas que pedem misericordiosamente pra ir à casa deles jogar ou ligar pra mãe só pra dizer: “Oi, mãe, sou eu, só to te ligando pra dizer que estou bem”. Não é humilhação, isso é palavra que existe somente no dicionário dos adultos, no das crianças é muito menos traumático. A gente ouvia vários nãos para conseguir um sim. E quando conseguia, era aquela alegria.
Mas apesar de não ter bicicleta eu tinha bola, jogava jogo da velha, adedanha, brincava de pique esconde, pique pega. Não se falava em discriminação e a gozação que sofríamos na escola não era chamada Bulling. Éramos crianças, tudo passava mais rápido. O arranhão que ganhávamos num dia, no outro era uma pequena cicatriz que não doía mais.
Na minha infância brincávamos na rua mesmo, o que me dá uma tristeza terrível do que deve sofrer essa geração apartamento onde a janela é de frente pra outro prédio e as brincadeiras são dentro de uma dessas Lan Houses ou na tela do computador.
Eu era feliz e não sabia. Eu corria atrás de bicicletas, chegava sujo em casa, tinha arranhões pra contar em casa onde os tinha feito, morrendo de medo de levar uma surra daquelas... Brigávamos na rua, xingávamos o outro de remelento, melequento, fedido... Mas no outro dia batíamos à porta do melequento e chamávamo-lo pra brincar na rua. Não tinha mágoa, nem rancor. Uma briga séria durava no máximo uma semana, e logo depois estávamos nós de novo jogando no mesmo time.
Isso nunca foi motivo pra passar anos em terapia, acho que os motivos vieram na adolescência, na não aceitação de si mesmo, na síndrome do rebelde sem causa, e em todas essas situações que surgem enquanto vamos deixando de lado a infância.
Eu nunca tive bicicleta, só fui ter depois de passada a infância. Nunca tive casa com piscina. Nunca fui dono da rua. Simplesmente fui um garoto que tinha dois irmãos mais velhos, no meu quarto havia uma máquina de costurar da minha mãe, (que virou peça de decoração, pois ninguém nunca a usou) a cama de meu irmão (com quem dividia o quarto), e um armário duas portas com uma faixa no meio de giz de cera que separava milimetricamente, o lado de cada um de nós. Era só uma casa de dois quartos e um canto, transformado em quarto para minha irmã, que como minha mãe dizia, era menina e não podia dormir junto conosco (nunca entendi o porquê, ela não era nadinha diferente de nós, só porque usava saia?). E assim eu era feliz.
Depois de algum tempo meu pai foi trabalhando muito, mas muito mesmo, tanto que só o via nos fins de semana no, máximo, aí então fui ganhar minha bicicleta. Que ele me perdoe, mas não foi tão importante naquela época como teria sido antes, mas foi o esforço dele (e meus milhares de bilhetes de “Não esqueça minha Caloi”) que mais me valeram do que a própria bicicleta em si.
Tornei-me abastado, tudo devido ao esforço de meu pai e minha mãe, pude ter patins, vídeo game, televisão no quarto (mesmo sabendo q era a velha de guerra que precisava de uns tapinhas às vezes para funcionar) e tudo o que o trabalho de meus pais pôde me dar (na proporção de um terço, é claro, pois tinha mais dois irmãos para satisfazer).
Mas eu não tive a bicicleta quando eu mais queria ter, e nem por isso tive uma infância menos feliz. Aprendi a correr atrás de meus sonhos, literalmente, aprendi que não era a bicicleta que me faria ser mais legal no meu grupo, nem mais inteligente, nem mais nada. A falta da bicicleta em minha vida desenvolveu em mim paciência para conquistar as coisas e persistência para lutar por elas.
Eu fui uma criança que não tive bicicleta... Ainda bem!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sobre o chuchu e o jiló.

Até no mercadinho a natureza se faz charmosa. Veja, por exemplo, o jiló. O jiló não é redondo, não é cilíndrico, o jiló é losangamente o jiló. Verde por fora. Mostra respeito a um desconhecido. Para quem não tem o tato e a alcalinidade de tratar dele, pode ser amargo, ocre, ruim. Mas o jiló tem muito charme para quem sabe conquistar um jiló. E é um saber para quem tem coragem. Comer jiló é coisa para corajosos. Jiló deve ser primo da pimenta, só quem tem coragem de experimentar pode sentir o prazer de apreciar.
Quem tem medo de jiló o classifica como “ comida de passarinho”, “coisa amarga”, “ alimento de pobre”. Que forma engraçada de desdenhar de algo. Se os passarinhos, os comedores de jiló, cantam tão bem, o jiló não pode ser algo tão ruim assim. Se é amargo, é porquê não sabe a delícia que é viver, apesar de a vida ser formada de momentos amargos salpicada de pontos de doçura. E, realmente, ao comer jiló, sei que estou comendo comida de pobre. Pobres de dinheiro. Ricos em sabedoria. Quem e quando descobriu que, dentro daquele fruto verde e de pele lisa se encontraria um simples prazer mundano? Lamento muito que muitas pessoas passem pelo mundo e não comam jiló. Na verdade, muita gente só passa pelo mundo mesmo, afinal. E o jiló permanece. Jiló é vítima dos que não o conhecem. É pária dos fastfoodianos que vivem por aí, em uma tribo que se multiplica vertiginosamente – e assustadoramente -.
Mas, em outro canto da feira, escondido entre as folhas da alface e da rúcula, encontra-se o chuchu. Chuchu é tímido. Tímido por ser feio, peludo, de cinturinha fina e ancas e seios grandes. Chuchu é gordo de cinto. Aqueles que comem chuchu, comem-o por pena. Chuchu é água verde. Chuchu tem vergonha de ser gosto. Chuchu tem vergonha de desafiar o paladar de seus donos. É animal doméstico que abaixa o rabo por medo de chamar-lhe a atenção. Por que? Porque ele é feio, tadinho. E por ser tadinho ele é comprado. E chuchu é barato. Vocês, leitores, poderiam me dizer que chuchu é gostoso quando acompanha isso ou aquilo. Concordo, chuchu não nasceu para ser a estrela de nenhum prato, e sim um ocupador do espaço livre.
Eu não tenho medo do jiló, tenho admiração, uma certa inveja até. Como posso viver e não enfrentar uma batalha contra o amargor e a altivez do jiló? Medo eu tenho do chuchu. De sua passividade. De sua timidez. Tenho medo de sentimentos reprimidos, escondidos. Chuchu é um alimento triste. E tristeza só pode dar câncer.
Definitivamente, chuchu só deve servir para os depressivos e suicidas. É a faca que corta os pulsos. São as vozes assassinas que sussuram nos ouvidos de seus consumidores as palavras : “ Se matem!”

Daniel Mancini Bitencourt