As sombras bruxuleavam pela parede. Vinham pela janela do poste em frente a casa. Um silêncio sepulcral reinava. Relativamente, já que o único som que se ouvia era o do ventilador, espalhando o calor para o canto do quarto. Nas sombras, figuras se formavam numa sucessão interminável. Era bonito, mas também era assustador. Uma criança desafiando a si mesma diante de uma ousadia inebriante entre o medo e a coragem. Era uma prova pessoal! Enfrentar as sombras nas paredes e o silêncio era o rito de passagem do menino para o homem.
Permaneceria lutando contra os monstros das sombras a noite inteira. O menino dizia de si para si que era corajoso, era macho mesmo, viu! Pois sim.
Eis que o calor foi refrescando, o ar umedecendo, e um cheiro de terra molhada entrou naquele quarto azul de menino. Um vento frio motivou o menino a levantar correndo as cobertas, desligar o ventilador, e voltar pra cama, para encarar suas sombras aterrorizantes que queriam amedronta-lo. Nunca! Jamais perderia a peleja contra aqueles monstros etéreos.
Delicadamente, pequenos pingos de chuva começaram a cair do lado de fora. De pouco a pouco, tais pingos foram tomando corpo e criando uma sinfonia de plocs plocs pela janela. Assim, foi-se formando uma delicada chuva que soava sua sinfonia e respingava o rosto do menino a medida que se chocavam com o beiral da janela.
Era uma sensação deliciosa. Enquanto o frescor tocava a pele, a luz refletia nos pingos como uma chuva de diamantes. Durante esse momento, os ouvidos ouviam o som da chuva, também os olhos viam o som da chuva, e a pele sentia o som da chuva. O menino abria a boca a procura do gosto do som da chuva, e seus lábios sorriam com o beijo do som da chuva. Era uma música suave, doce, baixinha. Era o prêmio do menino que vencera as sombras da parede. Os monstros das sombras. O êxtase do menino. Os olhos fechados para ouvir.
Um raio cruzou o céu e o menino abriu os olhos assustado com aquele clarão que conseguiu ultrapassar as pálpebras fechadas do pobre menino. Num susto, ele fechou a janela e cobriu o rosto.
Não, não poderia se acovardar ante aquele simples relâmpago! Arrancou a coberta do rosto e encarou altivamente a parede. “Quem esses monstros pensam que são? Pensam que são mais determinados que eu?”. E, agora, fixou o olhar na parede de uma forma que nada iria tirar dele aquela coragem orgulhosa que tinha acabado de conhecer. Nada!
Mas não foi bem assim que aconteceu. Subitamente um trovão se fez sentir, e começou a tremer todo o quarto do pobre menino que levantou-se imediatamente e foi correndo para o quarto ao lado, sem bater na porta, sem calçar as sandálias, e disse de forma assustada: “ Manhê, posso dormir com você?”. E pensou consigo mesmo: Deixa pra eu ser corajoso amanhã, né!?
Daniel, 27/10/2011 , 01:39
Um comentário:
Adorei o conto. às vezes o medo invade e é preciso vestir-se de muita coragem para enfrentá-lo. Buscar aquela força interior tão necessária. Deixa pra amanhã :) Te sigo!
bjs
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