O Homem que me serviu de exemplo
Um dia chorei muito. Chorei de soluçar. Tinha acabado de chegar de minha escola, almoçado, feito minhas lições. Fui deitar, sentia uma tristeza profunda. Minha mãe foi ver o que estava acontecendo:
-O que foi, meu filho? – Ela perguntou e sentou-se ao lado de minha cama.
Tentando falar, traduzir em palavras o que eu sentia.
Lembrei-me que meu avô estava doente, era câncer, e era terminal, tinha visto ele quando tinha acabado de chegar da escola, ainda de mochila nas costas.
Descobri o motivo de minha tristeza.
O homem que me serviu de exemplo por muitos anos. O advogado em quem me inspiro, em quem almejo alcançar, nem que seja um dedinho, do que era ele. Meu avô era doce. Doce como os caramelos, que sempre encontrava naquela mesma bomboniere amarela, em cima da geladeira, e que eram maravilhosos. Maravilhoso porque tínhamos que conquistar, pedir mesmo, na cara dura. E ganhar era como um prêmio.
O homem que me serviu de exemplo às vezes comprava uma caixa de chicletes de hortelã para distribuir entre os netos. Ele tinha uma regrinha: “- Só dou outro quando esse acabar o gosto, viu? ” E o gosto acabava logo, tanta era a vontade de pegar um novinho.
O homem que me serviu de exemplo abria seu maço de cigarros, retirava o papel que envolvia os cigarros de dentro do pacote, e nos pedia pra desenhar nele. Sim, ele fumava, esse foi seu mal.
O homem que me serviu de exemplo apagava as luzes da sala e fazia brincadeiras com a brasa do cigarro, era linda, a brasa do cigarro fazia linhas pelo ar ela uma visão maravilhosa, a beleza do fogo...
O homem que me serviu de exemplo me deixou uma lembrança final: uma maca de hospital fora instalada na sala, ele estava nela. Um balão verde de oxigênio em pé ao lado dele.
Naquela tarde, com minha mãe ao lado de minha cama, eu só pude responder a ela:
- Mãe, o Vô vai morrer!?
Ela disse:
- Vai, meu filho!
Mas o que ela não sabia é que seria no mesmo dia, mas eu sabia, não sei como, mas sabia.
Acordei com ela, forte, ao meu lado, me chamando para acordar:
- Meu filho, seu avô...
Não foi preciso mais palavras, meu coração sabia.
Saí correndo em direção à casa dele. Meus tios interrompiam a passagem de crianças, acho que porque achavam que seria uma cena forte.
Furei o bloqueio. Entrei na sala. O ar estava negro. O clima era só dor. Minha vó estava forte. Segurando bem a barra. Ví meu avô imóvel na maca, sangue subia pelo tubo de oxigênio. Maldito balão que roubava o que sobrou de meu avô pra ele e não deixou para mim...
E minha mãe, como conseguiu ser tão forte? - era o pai dela... - meu avô...
O homem que me serviu de exemplo hoje mora no céu, com Deus, e servindo de exemplo para outros anjinhos menores, que devem saber que o homem que me serviu de exemplo não era apenas meu avô, era meu anjo.
Daniel Mancini Bitencourt
21 de junho de 2006 – 23:00 h
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