O Homem que me serviu de exemplo
Um dia chorei muito. Chorei de soluçar. Tinha acabado de chegar de minha escola, almoçado, feito minhas lições. Fui deitar, sentia uma tristeza profunda. Minha mãe foi ver o que estava acontecendo:
-O que foi, meu filho? – Ela perguntou e sentou-se ao lado de minha cama.
Tentando falar, traduzir em palavras o que eu sentia.
Lembrei-me que meu avô estava doente, era câncer, e era terminal, tinha visto ele quando tinha acabado de chegar da escola, ainda de mochila nas costas.
Descobri o motivo de minha tristeza.
O homem que me serviu de exemplo por muitos anos. O advogado em quem me inspiro, em quem almejo alcançar, nem que seja um dedinho, do que era ele. Meu avô era doce. Doce como os caramelos, que sempre encontrava naquela mesma bomboniere amarela, em cima da geladeira, e que eram maravilhosos. Maravilhoso porque tínhamos que conquistar, pedir mesmo, na cara dura. E ganhar era como um prêmio.
O homem que me serviu de exemplo às vezes comprava uma caixa de chicletes de hortelã para distribuir entre os netos. Ele tinha uma regrinha: “- Só dou outro quando esse acabar o gosto, viu? ” E o gosto acabava logo, tanta era a vontade de pegar um novinho.
O homem que me serviu de exemplo abria seu maço de cigarros, retirava o papel que envolvia os cigarros de dentro do pacote, e nos pedia pra desenhar nele. Sim, ele fumava, esse foi seu mal.
O homem que me serviu de exemplo apagava as luzes da sala e fazia brincadeiras com a brasa do cigarro, era linda, a brasa do cigarro fazia linhas pelo ar ela uma visão maravilhosa, a beleza do fogo...
O homem que me serviu de exemplo me deixou uma lembrança final: uma maca de hospital fora instalada na sala, ele estava nela. Um balão verde de oxigênio em pé ao lado dele.
Naquela tarde, com minha mãe ao lado de minha cama, eu só pude responder a ela:
- Mãe, o Vô vai morrer!?
Ela disse:
- Vai, meu filho!
Mas o que ela não sabia é que seria no mesmo dia, mas eu sabia, não sei como, mas sabia.
Acordei com ela, forte, ao meu lado, me chamando para acordar:
- Meu filho, seu avô...
Não foi preciso mais palavras, meu coração sabia.
Saí correndo em direção à casa dele. Meus tios interrompiam a passagem de crianças, acho que porque achavam que seria uma cena forte.
Furei o bloqueio. Entrei na sala. O ar estava negro. O clima era só dor. Minha vó estava forte. Segurando bem a barra. Ví meu avô imóvel na maca, sangue subia pelo tubo de oxigênio. Maldito balão que roubava o que sobrou de meu avô pra ele e não deixou para mim...
E minha mãe, como conseguiu ser tão forte? - era o pai dela... - meu avô...
O homem que me serviu de exemplo hoje mora no céu, com Deus, e servindo de exemplo para outros anjinhos menores, que devem saber que o homem que me serviu de exemplo não era apenas meu avô, era meu anjo.
Daniel Mancini Bitencourt
21 de junho de 2006 – 23:00 h
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
sábado, 20 de dezembro de 2008
Sexo Ornamental!
Já reparou como hoje em dia o sexo se separou do amor de tal forma que sexo e amor coexistem, porém não se misturam?
Estranhíssimo ver como as pessoas estão interessadas em uma performance teatral na cama, coisas que funcionam bem em filmes eróticos, mas não tão bem na vida normal.
“Fazer amor”, o que já foi sinônimo de relações de amor íntimas, incluindo sexuais, hoje dá espaço a “transar”.
Não quero ser careta nem tampouco hipócrita, sei que o sexo é algo delicioso, e que tem seu lugar na vida, porém, a busca incansável pelo sexo casual, descompromissado, individual e egoístico tem nos levado a uma solidão.
Será que sexo casual é amor?
Eu, realmente, duvido muito.
E você, realmente já amou alguém alguma vez na sua vida?
Pois eu não me lembrava mais, não sabia mais se o amor era assim ou era um querer-bem, uma cumplicidade, uma admiração.
Dia desses, conheci uma pessoa. Essa pessoa poderia ter passado por mim como qualquer outra pessoa. Mas não, ela ficou.
Não digo que ficou fisicamente, ocupando o mesmo espaço que eu, mas ficou gravada em minha pele como tatuagem.
E este amor, tem algo de divino, algo que não pode ser explicado por nenhuma cabeça humana. Não é racional. É puramente sentimento.
Fazer amor é uma delícia, mas simplesmente dormir ao lado dela é excepcional.
Sem nenhum kama-sutra que nos oriente, sem auto-ajuda para sermos os melhores na cama, sem bíblia que nos condene ou bocas que nos falam do que não sabem. Sem especulações nem lógicas de cordel.
Amor não vai as olimpíadas. Amor não tem medalha de ouro. Amor não é contorcionismo. Amor não é esporte.
De ornamental, quero só as palavras ao pé do ouvido, as juras de amor eterno, a fidelidade e, principalmente, a felicidade.
Daniel Mancini Bitencourt – 20/12/2008
Estranhíssimo ver como as pessoas estão interessadas em uma performance teatral na cama, coisas que funcionam bem em filmes eróticos, mas não tão bem na vida normal.
“Fazer amor”, o que já foi sinônimo de relações de amor íntimas, incluindo sexuais, hoje dá espaço a “transar”.
Não quero ser careta nem tampouco hipócrita, sei que o sexo é algo delicioso, e que tem seu lugar na vida, porém, a busca incansável pelo sexo casual, descompromissado, individual e egoístico tem nos levado a uma solidão.
Será que sexo casual é amor?
Eu, realmente, duvido muito.
E você, realmente já amou alguém alguma vez na sua vida?
Pois eu não me lembrava mais, não sabia mais se o amor era assim ou era um querer-bem, uma cumplicidade, uma admiração.
Dia desses, conheci uma pessoa. Essa pessoa poderia ter passado por mim como qualquer outra pessoa. Mas não, ela ficou.
Não digo que ficou fisicamente, ocupando o mesmo espaço que eu, mas ficou gravada em minha pele como tatuagem.
E este amor, tem algo de divino, algo que não pode ser explicado por nenhuma cabeça humana. Não é racional. É puramente sentimento.
Fazer amor é uma delícia, mas simplesmente dormir ao lado dela é excepcional.
Sem nenhum kama-sutra que nos oriente, sem auto-ajuda para sermos os melhores na cama, sem bíblia que nos condene ou bocas que nos falam do que não sabem. Sem especulações nem lógicas de cordel.
Amor não vai as olimpíadas. Amor não tem medalha de ouro. Amor não é contorcionismo. Amor não é esporte.
De ornamental, quero só as palavras ao pé do ouvido, as juras de amor eterno, a fidelidade e, principalmente, a felicidade.
Daniel Mancini Bitencourt – 20/12/2008
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Vento, chuva, azul, cinza, pássaro, cavalo, anjo e eu
Está ventando. Tenho medo do vento. Ventos fortes e assustadores. Ventos de mudança. Ventos que te lambem a cara e te mostram que as dunas onde repousas não são concretas. Só a pedra é fixa. A vida é uma sucessão de ventos, brisas, tufões, furacões...
Porém, adoro a chuva. Sei que muitas vezes o vento traz a chuva. Sei que a chuva não é tão querida por todos como eu gosto. Chuva lava, limpa, recomeça, germina, fortifica...
Minha vida é um momento onde os oráculos do vento me assustam e da chuva me animam.
Acho que encontrei a palavra certa: oráculos.
Outro dia estava conversando com um senhor, amigo meu, e este me dizia que seu joelho doía, sinal de que ia chover. Batata! Todos os dias que o encontrava no restaurante eu perguntava a ele:
-E o joelho? Será que chove?
-Chove nada, vai ser sol até quarta feira.
E o engraçado é que ele nunca errara. Várias vezes eu consultava a previsão do tempo antes de ir ter-me com ele. Sabia que íamos ter sol de rachar e nada de chuva por aqueles dias, mas mesmo assim testava a habilidade do joelho de meu amigo.
- Bom dia!
- Bom dia!
- Que solão, heim?! Pelo visto não vamos ver chuva por alguns dias, não é?!
- Que nada, hoje acordei com meu joelho latejando. Vai ter chuva sim, e das grandes.
Dei aquele sorriso e fui almoçar. Cheguei em casa ensopado. Chuva.
****
O vento diminuiu sua intensidade. Meu medo se abrandou. Por que será que o vento me trás medo? - que na verdade não é medo, é uma vigília, um estado de porvir sombrio -.
Olho para o céu e vejo as nuvens numa correria só. De onde elas estão vindo e para onde estão indo? Primeiro vejo poucas, como pequenos chumaços de algodão contrastando com o azul do céu. Agora elas começam a tornar-se mais densas e menos brancas, e o azul do céu já é algo quase oculto por elas.
O som do vento nas árvores e nos prédios continua a me incomodar. Incomoda como farpa de madeira no dedo indicador. Incomoda, mas não mata.
O céu já começa a escurecer. Não há mais o azul que ri, só o cinza que lucubra.
Eu gosto do cinza. Acho que cinza é cor do pensamento. A massa cinzenta.
As garças passam em revoada rumo ao seu ninho, seu descanso, sua meditação.
Como pode uma garça voar contra a ventania se eu tenho esse medo vigilante do que o vento pode trazer?
***
As aves são corajosas.
Enfrentam com bravura o vento que me assusta.
Queria ser ave. Não precisa ser uma águia, nem uma garça, talvez um simples pardal, um pombo de praça, sei lá. O que na verdade eu queria é ser corajoso de enfrentar vendavais e brisas leves com a mesma força e bravura.
Ouço o pio de um passarinho. Pio forte, agudo, mas ao mesmo tempo leve e musical.
Penso na coragem dos pequenos animais e começo a evoluir para outros não tão pequenos. Imagino o relinchar de um cavalo livre e arisco num belo campo aberto e sem cela ou arreio que o segure.
O cavalo é visivelmente forte, bravo, indomável (ao menos em sua natureza de cavalo). Cavalo sonha em voar?
É o pégaso o sonho de todo cavalo? Ou é sonho do homem que, sem se preocupar com o pobre animal, lhe coloca asas e o lança do precipício?
Teria o cavalo coragem de enfrentar os vendavais, tal como o pequeno pássaro o faz? Teria Deus, em sua majestosa brincadeira de criar barro e moldá-lo ao seu prazer de escultor, ousado uma “aberração” dessas?
Talvez nada tenha de aberração nisso tudo, talvez seja a perfeita completude do cavalo ser animal de terra que o faz ser mais que pégaso.
Talvez voar seja um dom para os mais humildes. Deus não deu asas aos espertos, aos fortes, aos inteligentes. Deus não deu asas aos homens, apesar de os homens criarem máquinas de voar.
Deus fez os anjos para a nossa imaginação voar. Ou para nossa inveja querer imitar?
Somos todos Ícaros e sonhamos em voar, mas cera de abelhas e asas emprestadas não nos fazem anjos. Anjo é anjo. Homem é homem. Cavalo não voa. Gaivota não galopa. Chuva não molha o nosso interior. Vento não varre um pensamento. Medo não é ausência de coragem. Cinza não é melhor que azul.
Tudo é um pouco de tudo, mas o tudo pode ser o nada pra um passarinho, um cavalo, ou até um anjo.
Eu sou um nada, mas um nada que queria ser tudo: homem, anjo, passarinho, cavalo, cinza, azul, chuva e..., não, vento não.
23 de agosto de 2008 – 17:48
Porém, adoro a chuva. Sei que muitas vezes o vento traz a chuva. Sei que a chuva não é tão querida por todos como eu gosto. Chuva lava, limpa, recomeça, germina, fortifica...
Minha vida é um momento onde os oráculos do vento me assustam e da chuva me animam.
Acho que encontrei a palavra certa: oráculos.
Outro dia estava conversando com um senhor, amigo meu, e este me dizia que seu joelho doía, sinal de que ia chover. Batata! Todos os dias que o encontrava no restaurante eu perguntava a ele:
-E o joelho? Será que chove?
-Chove nada, vai ser sol até quarta feira.
E o engraçado é que ele nunca errara. Várias vezes eu consultava a previsão do tempo antes de ir ter-me com ele. Sabia que íamos ter sol de rachar e nada de chuva por aqueles dias, mas mesmo assim testava a habilidade do joelho de meu amigo.
- Bom dia!
- Bom dia!
- Que solão, heim?! Pelo visto não vamos ver chuva por alguns dias, não é?!
- Que nada, hoje acordei com meu joelho latejando. Vai ter chuva sim, e das grandes.
Dei aquele sorriso e fui almoçar. Cheguei em casa ensopado. Chuva.
****
O vento diminuiu sua intensidade. Meu medo se abrandou. Por que será que o vento me trás medo? - que na verdade não é medo, é uma vigília, um estado de porvir sombrio -.
Olho para o céu e vejo as nuvens numa correria só. De onde elas estão vindo e para onde estão indo? Primeiro vejo poucas, como pequenos chumaços de algodão contrastando com o azul do céu. Agora elas começam a tornar-se mais densas e menos brancas, e o azul do céu já é algo quase oculto por elas.
O som do vento nas árvores e nos prédios continua a me incomodar. Incomoda como farpa de madeira no dedo indicador. Incomoda, mas não mata.
O céu já começa a escurecer. Não há mais o azul que ri, só o cinza que lucubra.
Eu gosto do cinza. Acho que cinza é cor do pensamento. A massa cinzenta.
As garças passam em revoada rumo ao seu ninho, seu descanso, sua meditação.
Como pode uma garça voar contra a ventania se eu tenho esse medo vigilante do que o vento pode trazer?
***
As aves são corajosas.
Enfrentam com bravura o vento que me assusta.
Queria ser ave. Não precisa ser uma águia, nem uma garça, talvez um simples pardal, um pombo de praça, sei lá. O que na verdade eu queria é ser corajoso de enfrentar vendavais e brisas leves com a mesma força e bravura.
Ouço o pio de um passarinho. Pio forte, agudo, mas ao mesmo tempo leve e musical.
Penso na coragem dos pequenos animais e começo a evoluir para outros não tão pequenos. Imagino o relinchar de um cavalo livre e arisco num belo campo aberto e sem cela ou arreio que o segure.
O cavalo é visivelmente forte, bravo, indomável (ao menos em sua natureza de cavalo). Cavalo sonha em voar?
É o pégaso o sonho de todo cavalo? Ou é sonho do homem que, sem se preocupar com o pobre animal, lhe coloca asas e o lança do precipício?
Teria o cavalo coragem de enfrentar os vendavais, tal como o pequeno pássaro o faz? Teria Deus, em sua majestosa brincadeira de criar barro e moldá-lo ao seu prazer de escultor, ousado uma “aberração” dessas?
Talvez nada tenha de aberração nisso tudo, talvez seja a perfeita completude do cavalo ser animal de terra que o faz ser mais que pégaso.
Talvez voar seja um dom para os mais humildes. Deus não deu asas aos espertos, aos fortes, aos inteligentes. Deus não deu asas aos homens, apesar de os homens criarem máquinas de voar.
Deus fez os anjos para a nossa imaginação voar. Ou para nossa inveja querer imitar?
Somos todos Ícaros e sonhamos em voar, mas cera de abelhas e asas emprestadas não nos fazem anjos. Anjo é anjo. Homem é homem. Cavalo não voa. Gaivota não galopa. Chuva não molha o nosso interior. Vento não varre um pensamento. Medo não é ausência de coragem. Cinza não é melhor que azul.
Tudo é um pouco de tudo, mas o tudo pode ser o nada pra um passarinho, um cavalo, ou até um anjo.
Eu sou um nada, mas um nada que queria ser tudo: homem, anjo, passarinho, cavalo, cinza, azul, chuva e..., não, vento não.
23 de agosto de 2008 – 17:48
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
A ponte que divide a vida
Estou aqui tentando palavras para falar de algo novo que descobri nessa minha vida. Por ser sentimento é intangível, abstrato, impossível de ser sentido ao se escrever sobre ele, no máximo imagina-se o que o escritor quer dizer. E sobre esse sentimento já escreveram músicas, poesias, livros, peças, enfim, uma infinidade de expressões artísticas. Por isso vou pintar um quadro que traduza tudo que esse sentimento trás em mim.
Pinto inicialmente uma linha que divida a tela, metade é luz, metade é ausência de luz.
Na parte da luz, trago à tona a calmaria do barco, num lago calmo, em um dia de julho, balançando ao sabor das ondas. Trago o prazer, oriundo da paz, da tranqüilidade. Trago a esperança e a fé. Trago o dois, e não outro número, nem par nem ímpar. Trago a delícia e o sabor do doce e do riso bobo.
Do lado negro trago a paixão, com todas as suas vertentes que devem ser observadas. Trago o egoísmo. Trago a raiva. A chama ardente. O ciúme. A dor. Trago a imagem dos fogos no céu, belos, magníficos, mas a explosão e a ardência do fogo que o incita e lhe dá vida. Trago uma multidão. Trago a morte.
E o nome desse sentimento que paira, ora do lado negro, ora do lado iluminado da pintura, é, óbvio, o amor. É algo que é muito bom, mas que assusta. Do lado de dentro tem só luz.
Será mesmo?
Tem escuridão também, devo admitir.
Mas é como o prazer de um cigarro ou de uma picanha bem gordurosa. Temos consciência do mal que ele faz, mas também temos a consciência do prazer que nos proporciona. E sempre, na grande maioria das vezes, fazemos a opção pelo prazer.
Prazer é algo passageiro, eu sei, é algo que seduz e depois nos joga fora. Eu também sei. Amor ilude os olhos e o coração, isso é ótimo. Amor é televisão natural que nos faz fechar, por alguns momentos, os olhos para desgraças da vida, desgraças da dor, da morte. Amor é um remedinho pra doenças da alma. É uma utopia salutar. È a flor que nasce de um botão e dura pouco, até que murche e perca sua beleza e seu perfume.
Amor é estranho, é dolorido, nos faz sofrer, nos mata, mas, paradoxalmente, nos dá momentos que nos fazem segurar mais as pontas em meio à turbulência da vida, em meio ao caos em que vivemos e não admitimos, mas nós mesmo que o criamos, como também criamos a sociedade.
Amor é uma droga, um remedinho, uma pílula do momento feliz, enquanto a própria vida é a doença. A natureza sabe aonde pôr cada um dos dois. Onde cabe o amor e onde cabe a vida.
Viver não é amar, viver é adoecer, amar é se curar.
Por estes tantos motivos eu não me arrependo de estar aqui, pois, no final, no finalzinho mesmo, o equilíbrio não será entre a vida e a morte, não será a luz e a escuridão, mas será a meia luz da experiência que trará a todos a vontade de voltar. Aí será impossível, aí entender-se-á o porquê da vida, de você e eu.
Pinto inicialmente uma linha que divida a tela, metade é luz, metade é ausência de luz.
Na parte da luz, trago à tona a calmaria do barco, num lago calmo, em um dia de julho, balançando ao sabor das ondas. Trago o prazer, oriundo da paz, da tranqüilidade. Trago a esperança e a fé. Trago o dois, e não outro número, nem par nem ímpar. Trago a delícia e o sabor do doce e do riso bobo.
Do lado negro trago a paixão, com todas as suas vertentes que devem ser observadas. Trago o egoísmo. Trago a raiva. A chama ardente. O ciúme. A dor. Trago a imagem dos fogos no céu, belos, magníficos, mas a explosão e a ardência do fogo que o incita e lhe dá vida. Trago uma multidão. Trago a morte.
E o nome desse sentimento que paira, ora do lado negro, ora do lado iluminado da pintura, é, óbvio, o amor. É algo que é muito bom, mas que assusta. Do lado de dentro tem só luz.
Será mesmo?
Tem escuridão também, devo admitir.
Mas é como o prazer de um cigarro ou de uma picanha bem gordurosa. Temos consciência do mal que ele faz, mas também temos a consciência do prazer que nos proporciona. E sempre, na grande maioria das vezes, fazemos a opção pelo prazer.
Prazer é algo passageiro, eu sei, é algo que seduz e depois nos joga fora. Eu também sei. Amor ilude os olhos e o coração, isso é ótimo. Amor é televisão natural que nos faz fechar, por alguns momentos, os olhos para desgraças da vida, desgraças da dor, da morte. Amor é um remedinho pra doenças da alma. É uma utopia salutar. È a flor que nasce de um botão e dura pouco, até que murche e perca sua beleza e seu perfume.
Amor é estranho, é dolorido, nos faz sofrer, nos mata, mas, paradoxalmente, nos dá momentos que nos fazem segurar mais as pontas em meio à turbulência da vida, em meio ao caos em que vivemos e não admitimos, mas nós mesmo que o criamos, como também criamos a sociedade.
Amor é uma droga, um remedinho, uma pílula do momento feliz, enquanto a própria vida é a doença. A natureza sabe aonde pôr cada um dos dois. Onde cabe o amor e onde cabe a vida.
Viver não é amar, viver é adoecer, amar é se curar.
Por estes tantos motivos eu não me arrependo de estar aqui, pois, no final, no finalzinho mesmo, o equilíbrio não será entre a vida e a morte, não será a luz e a escuridão, mas será a meia luz da experiência que trará a todos a vontade de voltar. Aí será impossível, aí entender-se-á o porquê da vida, de você e eu.
A dor
Algumas coisas na vida foram feitas para ensinar.
Outras para nos fazerem sermos professores.
Dor é fácil, é vontade de chorar.
Amor é resposta, é vida; vivam os amores!
A dor pode ser profunda, vil.
A dor pode ser minha, sua.
A dor é palpável, é cruel.
Dor é profunda, é crua.
Na crueldade de tal sentimento.
Na fria e implacável realidade.
Parece interminável o tormento.
E dói, tamanha crueldade.
Mas não há como ter amor.
Sem que se conheça da dor.
É algo sem doçura
Que faz sentir o doce sabor, a fruta madura.
Passam-se as dores.
Vêm-se os amores.
Lembrar da dor.
Garante a força do amor.
Palavras passam.
Os momentos passam.
Dores passam.
Amores passam.
Mas amores voltam
E, como um bálsamo, curam.
Todo coração ferido reage.
A Fênix sempre renasce.
O remédio é o veneno.
Que mata o enfermo.
Mas renasce deste enterro.
Um novo, um menino, um pequeno.
Outras para nos fazerem sermos professores.
Dor é fácil, é vontade de chorar.
Amor é resposta, é vida; vivam os amores!
A dor pode ser profunda, vil.
A dor pode ser minha, sua.
A dor é palpável, é cruel.
Dor é profunda, é crua.
Na crueldade de tal sentimento.
Na fria e implacável realidade.
Parece interminável o tormento.
E dói, tamanha crueldade.
Mas não há como ter amor.
Sem que se conheça da dor.
É algo sem doçura
Que faz sentir o doce sabor, a fruta madura.
Passam-se as dores.
Vêm-se os amores.
Lembrar da dor.
Garante a força do amor.
Palavras passam.
Os momentos passam.
Dores passam.
Amores passam.
Mas amores voltam
E, como um bálsamo, curam.
Todo coração ferido reage.
A Fênix sempre renasce.
O remédio é o veneno.
Que mata o enfermo.
Mas renasce deste enterro.
Um novo, um menino, um pequeno.
A importância do beijo na testa e do abraço apertado.
Muita gente diz que amor de mãe é diferente de amor de pai. Eu nunca tinha entendido isso até hoje. Pensando na vida como tenho costume, comecei a diferenciar o tipo de tratamento de pais e mães para com seus filhos e, conseqüentemente, o tipo de amor com que cada um tem por seus filhos particularmente.
Amor de mãe é mais próximo, é amor de quem sabe que para que aquela pessoa existisse dependeu dela por nove meses e deu a ela seu próprio sangue, sofrimentos, carinho. O filho é amado pela mãe por ser parte dela que se soltou do corpo. É muito forte a ligação entre mãe e filho. É pela mãe que as crianças chamam quando têm fome, sede, medo, saudades. É pela mãe que a criança sabe que encontrará calor, comida, lar. Contudo o amor de mãe é dependente do amor do pai.
Apesar de o pai não estar tão próximo dos filhos como a mãe (engloba-se no sentido de próximo presente, confidente, carinhoso) na maioria dos casos, é nele que os filhos encontram segurança para além do lar. Enquanto a mãe prepara o coração do filho para o mundo, para agir em seu futuro lar formado por suas escolhas, cabe ao pai mostrar que tudo no mundo tem seu preço e que a segurança e integridade do lar está nas suas mãos.
Não quero que penses que estou refazendo a divisão já abolida de homens e mulheres em que a mulher cuida da casa e das crianças enquanto cabe ao homem cuidar do sustento do lar - longe de mim! - o que quero construir através dessas minhas palavras é que pai e mãe têm, ambos, papéis importantes para a criação do ser humano.
Pai é beijo na testa, é preocupação com trabalho, é cansaço constante, são contas a pagar, trabalho a se fazer, dinheiro a se ganhar. Mãe é abraço apertado, é calor, é chorar ao ver novela, é cozinhar algo diferente...
Hoje sabemos que existem pais que tem amor de mãe e mãe que tem amor de pai. O que não podemos admitir é a ausência de ambos os amores na criação. Não importa se o responsável pelos filhos seja só a mãe ou só o pai, ou então um parente ou um estranho que surge de pára-quedas.
O importante é que abraço apertado e beijo na testa não faltem nunca.
Quem sabe o que é amor de pai e o que é amor de mãe sabe o que eu estou querendo dizer. Por isso para todos os pais: dêem mais beijos nas testas de seus filhos; e mães dêem mais abraços apertados nos seus filhos. Pois só assim teremos o mundo habitado por seres mais humanos e pessoas mais felizes.
Daniel Mancini Bitencourt
Amor de mãe é mais próximo, é amor de quem sabe que para que aquela pessoa existisse dependeu dela por nove meses e deu a ela seu próprio sangue, sofrimentos, carinho. O filho é amado pela mãe por ser parte dela que se soltou do corpo. É muito forte a ligação entre mãe e filho. É pela mãe que as crianças chamam quando têm fome, sede, medo, saudades. É pela mãe que a criança sabe que encontrará calor, comida, lar. Contudo o amor de mãe é dependente do amor do pai.
Apesar de o pai não estar tão próximo dos filhos como a mãe (engloba-se no sentido de próximo presente, confidente, carinhoso) na maioria dos casos, é nele que os filhos encontram segurança para além do lar. Enquanto a mãe prepara o coração do filho para o mundo, para agir em seu futuro lar formado por suas escolhas, cabe ao pai mostrar que tudo no mundo tem seu preço e que a segurança e integridade do lar está nas suas mãos.
Não quero que penses que estou refazendo a divisão já abolida de homens e mulheres em que a mulher cuida da casa e das crianças enquanto cabe ao homem cuidar do sustento do lar - longe de mim! - o que quero construir através dessas minhas palavras é que pai e mãe têm, ambos, papéis importantes para a criação do ser humano.
Pai é beijo na testa, é preocupação com trabalho, é cansaço constante, são contas a pagar, trabalho a se fazer, dinheiro a se ganhar. Mãe é abraço apertado, é calor, é chorar ao ver novela, é cozinhar algo diferente...
Hoje sabemos que existem pais que tem amor de mãe e mãe que tem amor de pai. O que não podemos admitir é a ausência de ambos os amores na criação. Não importa se o responsável pelos filhos seja só a mãe ou só o pai, ou então um parente ou um estranho que surge de pára-quedas.
O importante é que abraço apertado e beijo na testa não faltem nunca.
Quem sabe o que é amor de pai e o que é amor de mãe sabe o que eu estou querendo dizer. Por isso para todos os pais: dêem mais beijos nas testas de seus filhos; e mães dêem mais abraços apertados nos seus filhos. Pois só assim teremos o mundo habitado por seres mais humanos e pessoas mais felizes.
Daniel Mancini Bitencourt
Flashback
Flashback
Estava agorinha mesmo pensando comigo mesmo se em 24 anos de vida eu teria material suficiente para minha biografia. Não sei se cheguei a uma conclusão a esse respeito, mas veio a minha mente cenas de minha infância que até hoje trazem alegria no meu coração. Lembro de dias de sol em que brincava com meus amigos na rua até a noite cair e não havia risco de sofrer com a violência das ruas que hoje atormenta tanto a sociedade brasileira. Lembro das brincadeiras de rua, pique pega, pique alto, queimada, futebol e tantas outras brincadeiras de criança que me fizeram ser o adulto de hoje, com memória e satisfação. Lembro da minha pequenina casa e da alegria que se tem quando não se tem tantas preocupações além de escola e deveres de casa. Lembro das festas de aniversário regadas a refrigerantes em garrafas de vidro e brigadeiros em forminhas de alumínio - tradição esta que até hoje existe em minha família -, lembro da janela de madeira com grades- mesmo sem entender naquela época se elas eram pra proteger de quem estava fora mal intencionado ou de quem estava dentro de cair dela.
É tudo muito simples quando se é criança porque criança vê o dia de sol e de chuva com a mesma alegria, sabendo que cada dia é uma novidade e cada dia pode ser divertido e emocionante como nunca. Sofrer por antecipação quando se é criança não existe, sofre-se no tempo certo e acabado o sofrimento vem a alegria instantânea, não é como nos adultos que colocam uma zona gris entre os opostos para prepararem-se para aquilo que vem de repente e não se sabe qual reação tomaremos e, portanto, impassível de ser preparado.
A total ausência de maturidade não faz das crianças menores que os adultos, mas pelo contrário, faz com que olhemos para cada dia como se fosse único; e é! Os dias são iguais, mas ao mesmo tempo são únicos. É o paradoxo inexplicável da vida. Só se entende as coisas depois que passam e olhamos para elas como uma história bonita, uma novela em que as personagens somos nós, e que parece que teve seu início meio e fim, mas o fim na verdade não é esse, porque o fim de uma fase da vida é o início de outra e assim também em tudo o que existe nesse mundo.
É; olhar pra trás é bom mesmo, ver tudo o que fiz e quem me acompanhou nesses momentos, mas olhar os sonhos atemporais permanentes nos fazem olhar para o futuro com ares de vencedor.
Estava agorinha mesmo pensando comigo mesmo se em 24 anos de vida eu teria material suficiente para minha biografia. Não sei se cheguei a uma conclusão a esse respeito, mas veio a minha mente cenas de minha infância que até hoje trazem alegria no meu coração. Lembro de dias de sol em que brincava com meus amigos na rua até a noite cair e não havia risco de sofrer com a violência das ruas que hoje atormenta tanto a sociedade brasileira. Lembro das brincadeiras de rua, pique pega, pique alto, queimada, futebol e tantas outras brincadeiras de criança que me fizeram ser o adulto de hoje, com memória e satisfação. Lembro da minha pequenina casa e da alegria que se tem quando não se tem tantas preocupações além de escola e deveres de casa. Lembro das festas de aniversário regadas a refrigerantes em garrafas de vidro e brigadeiros em forminhas de alumínio - tradição esta que até hoje existe em minha família -, lembro da janela de madeira com grades- mesmo sem entender naquela época se elas eram pra proteger de quem estava fora mal intencionado ou de quem estava dentro de cair dela.
É tudo muito simples quando se é criança porque criança vê o dia de sol e de chuva com a mesma alegria, sabendo que cada dia é uma novidade e cada dia pode ser divertido e emocionante como nunca. Sofrer por antecipação quando se é criança não existe, sofre-se no tempo certo e acabado o sofrimento vem a alegria instantânea, não é como nos adultos que colocam uma zona gris entre os opostos para prepararem-se para aquilo que vem de repente e não se sabe qual reação tomaremos e, portanto, impassível de ser preparado.
A total ausência de maturidade não faz das crianças menores que os adultos, mas pelo contrário, faz com que olhemos para cada dia como se fosse único; e é! Os dias são iguais, mas ao mesmo tempo são únicos. É o paradoxo inexplicável da vida. Só se entende as coisas depois que passam e olhamos para elas como uma história bonita, uma novela em que as personagens somos nós, e que parece que teve seu início meio e fim, mas o fim na verdade não é esse, porque o fim de uma fase da vida é o início de outra e assim também em tudo o que existe nesse mundo.
É; olhar pra trás é bom mesmo, ver tudo o que fiz e quem me acompanhou nesses momentos, mas olhar os sonhos atemporais permanentes nos fazem olhar para o futuro com ares de vencedor.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Eu não tinha bicicleta...
Eu não tinha bicicleta...
Eu era uma criança sem bicicleta. E na minha época ter bicicleta era o máximo, era ser alguém, era um status entre as crianças. E eu não tinha bicicleta. Eu não me trancava em casa e chorava, nem fazia cenas com meus pais por causa de uma bicicleta. Eu só não tinha uma. Muitas vezes eu queria andar de bicicleta, pedia a meus amigos, mas eles estavam ocupados demais curtindo seu privilégio de ter uma bicicleta que não podiam emprestá-la. Não os culpo. De maneira alguma gostaria que tivessem pena de mim. Enfim, quem tinha que se contentar em correr atrás das bicicletas era eu. Eu ouvia os risos das crianças sobre suas bicicletas rondando o bairro todo lá de trás, na distância que eu conseguia chegar correndo. Mas mesmo assim eu era feliz.
Vejo que hoje em dia a coisa não mudou muito. Quem tem um Playstation ou um aparelho de celular deve ter a sua volta outros colegas que pedem misericordiosamente pra ir à casa deles jogar ou ligar pra mãe só pra dizer: “Oi, mãe, sou eu, só to te ligando pra dizer que estou bem”. Não é humilhação, isso é palavra que existe somente no dicionário dos adultos, no das crianças é muito menos traumático. A gente ouvia vários nãos para conseguir um sim. E quando conseguia, era aquela alegria.
Mas apesar de não ter bicicleta eu tinha bola, jogava jogo da velha, adedanha, brincava de pique esconde, pique pega. Não se falava em discriminação e a gozação que sofríamos na escola não era chamada Bulling. Éramos crianças, tudo passava mais rápido. O arranhão que ganhávamos num dia, no outro era uma pequena cicatriz que não doía mais.
Na minha infância brincávamos na rua mesmo, o que me dá uma tristeza terrível do que deve sofrer essa geração apartamento onde a janela é de frente pra outro prédio e as brincadeiras são dentro de uma dessas Lan Houses ou na tela do computador.
Eu era feliz e não sabia. Eu corria atrás de bicicletas, chegava sujo em casa, tinha arranhões pra contar em casa onde os tinha feito, morrendo de medo de levar uma surra daquelas... Brigávamos na rua, xingávamos o outro de remelento, melequento, fedido... Mas no outro dia batíamos à porta do melequento e chamávamo-lo pra brincar na rua. Não tinha mágoa, nem rancor. Uma briga séria durava no máximo uma semana, e logo depois estávamos nós de novo jogando no mesmo time.
Isso nunca foi motivo pra passar anos em terapia, acho que os motivos vieram na adolescência, na não aceitação de si mesmo, na síndrome do rebelde sem causa, e em todas essas situações que surgem enquanto vamos deixando de lado a infância.
Eu nunca tive bicicleta, só fui ter depois de passada a infância. Nunca tive casa com piscina. Nunca fui dono da rua. Simplesmente fui um garoto que tinha dois irmãos mais velhos, no meu quarto havia uma máquina de costurar da minha mãe, (que virou peça de decoração, pois ninguém nunca a usou) a cama de meu irmão (com quem dividia o quarto), e um armário duas portas com uma faixa no meio de giz de cera que separava milimetricamente, o lado de cada um de nós. Era só uma casa de dois quartos e um canto, transformado em quarto para minha irmã, que como minha mãe dizia, era menina e não podia dormir junto conosco (nunca entendi o porquê, ela não era nadinha diferente de nós, só porque usava saia?). E assim eu era feliz.
Depois de algum tempo meu pai foi trabalhando muito, mas muito mesmo, tanto que só o via nos fins de semana no, máximo, aí então fui ganhar minha bicicleta. Que ele me perdoe, mas não foi tão importante naquela época como teria sido antes, mas foi o esforço dele (e meus milhares de bilhetes de “Não esqueça minha Caloi”) que mais me valeram do que a própria bicicleta em si.
Tornei-me abastado, tudo devido ao esforço de meu pai e minha mãe, pude ter patins, vídeo game, televisão no quarto (mesmo sabendo q era a velha de guerra que precisava de uns tapinhas às vezes para funcionar) e tudo o que o trabalho de meus pais pôde me dar (na proporção de um terço, é claro, pois tinha mais dois irmãos para satisfazer).
Mas eu não tive a bicicleta quando eu mais queria ter, e nem por isso tive uma infância menos feliz. Aprendi a correr atrás de meus sonhos, literalmente, aprendi que não era a bicicleta que me faria ser mais legal no meu grupo, nem mais inteligente, nem mais nada. A falta da bicicleta em minha vida desenvolveu em mim paciência para conquistar as coisas e persistência para lutar por elas.
Eu fui uma criança que não tive bicicleta... Ainda bem!
Eu era uma criança sem bicicleta. E na minha época ter bicicleta era o máximo, era ser alguém, era um status entre as crianças. E eu não tinha bicicleta. Eu não me trancava em casa e chorava, nem fazia cenas com meus pais por causa de uma bicicleta. Eu só não tinha uma. Muitas vezes eu queria andar de bicicleta, pedia a meus amigos, mas eles estavam ocupados demais curtindo seu privilégio de ter uma bicicleta que não podiam emprestá-la. Não os culpo. De maneira alguma gostaria que tivessem pena de mim. Enfim, quem tinha que se contentar em correr atrás das bicicletas era eu. Eu ouvia os risos das crianças sobre suas bicicletas rondando o bairro todo lá de trás, na distância que eu conseguia chegar correndo. Mas mesmo assim eu era feliz.
Vejo que hoje em dia a coisa não mudou muito. Quem tem um Playstation ou um aparelho de celular deve ter a sua volta outros colegas que pedem misericordiosamente pra ir à casa deles jogar ou ligar pra mãe só pra dizer: “Oi, mãe, sou eu, só to te ligando pra dizer que estou bem”. Não é humilhação, isso é palavra que existe somente no dicionário dos adultos, no das crianças é muito menos traumático. A gente ouvia vários nãos para conseguir um sim. E quando conseguia, era aquela alegria.
Mas apesar de não ter bicicleta eu tinha bola, jogava jogo da velha, adedanha, brincava de pique esconde, pique pega. Não se falava em discriminação e a gozação que sofríamos na escola não era chamada Bulling. Éramos crianças, tudo passava mais rápido. O arranhão que ganhávamos num dia, no outro era uma pequena cicatriz que não doía mais.
Na minha infância brincávamos na rua mesmo, o que me dá uma tristeza terrível do que deve sofrer essa geração apartamento onde a janela é de frente pra outro prédio e as brincadeiras são dentro de uma dessas Lan Houses ou na tela do computador.
Eu era feliz e não sabia. Eu corria atrás de bicicletas, chegava sujo em casa, tinha arranhões pra contar em casa onde os tinha feito, morrendo de medo de levar uma surra daquelas... Brigávamos na rua, xingávamos o outro de remelento, melequento, fedido... Mas no outro dia batíamos à porta do melequento e chamávamo-lo pra brincar na rua. Não tinha mágoa, nem rancor. Uma briga séria durava no máximo uma semana, e logo depois estávamos nós de novo jogando no mesmo time.
Isso nunca foi motivo pra passar anos em terapia, acho que os motivos vieram na adolescência, na não aceitação de si mesmo, na síndrome do rebelde sem causa, e em todas essas situações que surgem enquanto vamos deixando de lado a infância.
Eu nunca tive bicicleta, só fui ter depois de passada a infância. Nunca tive casa com piscina. Nunca fui dono da rua. Simplesmente fui um garoto que tinha dois irmãos mais velhos, no meu quarto havia uma máquina de costurar da minha mãe, (que virou peça de decoração, pois ninguém nunca a usou) a cama de meu irmão (com quem dividia o quarto), e um armário duas portas com uma faixa no meio de giz de cera que separava milimetricamente, o lado de cada um de nós. Era só uma casa de dois quartos e um canto, transformado em quarto para minha irmã, que como minha mãe dizia, era menina e não podia dormir junto conosco (nunca entendi o porquê, ela não era nadinha diferente de nós, só porque usava saia?). E assim eu era feliz.
Depois de algum tempo meu pai foi trabalhando muito, mas muito mesmo, tanto que só o via nos fins de semana no, máximo, aí então fui ganhar minha bicicleta. Que ele me perdoe, mas não foi tão importante naquela época como teria sido antes, mas foi o esforço dele (e meus milhares de bilhetes de “Não esqueça minha Caloi”) que mais me valeram do que a própria bicicleta em si.
Tornei-me abastado, tudo devido ao esforço de meu pai e minha mãe, pude ter patins, vídeo game, televisão no quarto (mesmo sabendo q era a velha de guerra que precisava de uns tapinhas às vezes para funcionar) e tudo o que o trabalho de meus pais pôde me dar (na proporção de um terço, é claro, pois tinha mais dois irmãos para satisfazer).
Mas eu não tive a bicicleta quando eu mais queria ter, e nem por isso tive uma infância menos feliz. Aprendi a correr atrás de meus sonhos, literalmente, aprendi que não era a bicicleta que me faria ser mais legal no meu grupo, nem mais inteligente, nem mais nada. A falta da bicicleta em minha vida desenvolveu em mim paciência para conquistar as coisas e persistência para lutar por elas.
Eu fui uma criança que não tive bicicleta... Ainda bem!
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Sobre o chuchu e o jiló.
Até no mercadinho a natureza se faz charmosa. Veja, por exemplo, o jiló. O jiló não é redondo, não é cilíndrico, o jiló é losangamente o jiló. Verde por fora. Mostra respeito a um desconhecido. Para quem não tem o tato e a alcalinidade de tratar dele, pode ser amargo, ocre, ruim. Mas o jiló tem muito charme para quem sabe conquistar um jiló. E é um saber para quem tem coragem. Comer jiló é coisa para corajosos. Jiló deve ser primo da pimenta, só quem tem coragem de experimentar pode sentir o prazer de apreciar.
Quem tem medo de jiló o classifica como “ comida de passarinho”, “coisa amarga”, “ alimento de pobre”. Que forma engraçada de desdenhar de algo. Se os passarinhos, os comedores de jiló, cantam tão bem, o jiló não pode ser algo tão ruim assim. Se é amargo, é porquê não sabe a delícia que é viver, apesar de a vida ser formada de momentos amargos salpicada de pontos de doçura. E, realmente, ao comer jiló, sei que estou comendo comida de pobre. Pobres de dinheiro. Ricos em sabedoria. Quem e quando descobriu que, dentro daquele fruto verde e de pele lisa se encontraria um simples prazer mundano? Lamento muito que muitas pessoas passem pelo mundo e não comam jiló. Na verdade, muita gente só passa pelo mundo mesmo, afinal. E o jiló permanece. Jiló é vítima dos que não o conhecem. É pária dos fastfoodianos que vivem por aí, em uma tribo que se multiplica vertiginosamente – e assustadoramente -.
Mas, em outro canto da feira, escondido entre as folhas da alface e da rúcula, encontra-se o chuchu. Chuchu é tímido. Tímido por ser feio, peludo, de cinturinha fina e ancas e seios grandes. Chuchu é gordo de cinto. Aqueles que comem chuchu, comem-o por pena. Chuchu é água verde. Chuchu tem vergonha de ser gosto. Chuchu tem vergonha de desafiar o paladar de seus donos. É animal doméstico que abaixa o rabo por medo de chamar-lhe a atenção. Por que? Porque ele é feio, tadinho. E por ser tadinho ele é comprado. E chuchu é barato. Vocês, leitores, poderiam me dizer que chuchu é gostoso quando acompanha isso ou aquilo. Concordo, chuchu não nasceu para ser a estrela de nenhum prato, e sim um ocupador do espaço livre.
Eu não tenho medo do jiló, tenho admiração, uma certa inveja até. Como posso viver e não enfrentar uma batalha contra o amargor e a altivez do jiló? Medo eu tenho do chuchu. De sua passividade. De sua timidez. Tenho medo de sentimentos reprimidos, escondidos. Chuchu é um alimento triste. E tristeza só pode dar câncer.
Definitivamente, chuchu só deve servir para os depressivos e suicidas. É a faca que corta os pulsos. São as vozes assassinas que sussuram nos ouvidos de seus consumidores as palavras : “ Se matem!”
Daniel Mancini Bitencourt
Quem tem medo de jiló o classifica como “ comida de passarinho”, “coisa amarga”, “ alimento de pobre”. Que forma engraçada de desdenhar de algo. Se os passarinhos, os comedores de jiló, cantam tão bem, o jiló não pode ser algo tão ruim assim. Se é amargo, é porquê não sabe a delícia que é viver, apesar de a vida ser formada de momentos amargos salpicada de pontos de doçura. E, realmente, ao comer jiló, sei que estou comendo comida de pobre. Pobres de dinheiro. Ricos em sabedoria. Quem e quando descobriu que, dentro daquele fruto verde e de pele lisa se encontraria um simples prazer mundano? Lamento muito que muitas pessoas passem pelo mundo e não comam jiló. Na verdade, muita gente só passa pelo mundo mesmo, afinal. E o jiló permanece. Jiló é vítima dos que não o conhecem. É pária dos fastfoodianos que vivem por aí, em uma tribo que se multiplica vertiginosamente – e assustadoramente -.
Mas, em outro canto da feira, escondido entre as folhas da alface e da rúcula, encontra-se o chuchu. Chuchu é tímido. Tímido por ser feio, peludo, de cinturinha fina e ancas e seios grandes. Chuchu é gordo de cinto. Aqueles que comem chuchu, comem-o por pena. Chuchu é água verde. Chuchu tem vergonha de ser gosto. Chuchu tem vergonha de desafiar o paladar de seus donos. É animal doméstico que abaixa o rabo por medo de chamar-lhe a atenção. Por que? Porque ele é feio, tadinho. E por ser tadinho ele é comprado. E chuchu é barato. Vocês, leitores, poderiam me dizer que chuchu é gostoso quando acompanha isso ou aquilo. Concordo, chuchu não nasceu para ser a estrela de nenhum prato, e sim um ocupador do espaço livre.
Eu não tenho medo do jiló, tenho admiração, uma certa inveja até. Como posso viver e não enfrentar uma batalha contra o amargor e a altivez do jiló? Medo eu tenho do chuchu. De sua passividade. De sua timidez. Tenho medo de sentimentos reprimidos, escondidos. Chuchu é um alimento triste. E tristeza só pode dar câncer.
Definitivamente, chuchu só deve servir para os depressivos e suicidas. É a faca que corta os pulsos. São as vozes assassinas que sussuram nos ouvidos de seus consumidores as palavras : “ Se matem!”
Daniel Mancini Bitencourt
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