“Palavrisação”
-“Preciso falar com você. Depois eu passo aí.”
Certas vezes, escuto certas frases assim, vazias em si, mas cheias de significados ocultos que espalham nos meus olhos muitas situações, possibilidades, sentimentos...
Antes mesmo de saber o motivo de tais palavras, minha mente entra em um processo de especulação fortíssimo. Sinto que tais palavras foram catalisadoras de uma reação psicológica de grande magnitude. Minha mente escapuliu pro coração, e o coração escapuliu pro crânio. Não sei se penso, se sinto, se me preparo para o pior, se me desligo disso que pode vir a ser uma bobagem ( o que muitas vezes é).
Porém a reação é inevitável. E a partir de agora vou me preparando para sofrer. É claro que pode não ter nada a ver uma coisa com a outra, mas é uma reação instintiva, não tenho o que fazer, é meu corpo de gente, desse bicho estranho que é gente, que grita, que me faz calar, que me faz obedecer.
Tais frases são perigosíssimas, pois desde o momento que as ouvi, vou matando aos pouquinhos tudo o que possa vir me ferir ao serem ditas as “ benditas” palavras deixadas para o depois.
E o que me assusta é realmente isso: matar por medo de morrer.
Se forem ditas por um amor, esse amor estará tão esfolado no momento do “vamos ver” que nem sei se vou querer ouvir o que se tem a dizer. Talvez, eu tenha mudado tanto que o que venha a ser dito no momento oportuno já não faça mais a mínima diferença, pois já não há mais o que se resolver sobre o que não mais existe. Falar de amor, de como consertar ou terminar de vez, talvez não seja necessário. Talvez seja o mesmo que querer se unir a pessoa já morta. Algo meio Romeu e Julieta; um mal entendido irreversível.
Se forem ditas por um amigo, pronto, lá se foi uma amizade, ou lá vem um belo esporro que irá mudar drasticamente os rumos do laço criado. Algo nesta amizade irá mudar. E nem sempre será para melhor.
Na verdade, tais palavras se vestem de palavras, quando na verdade não passam de silêncios promulgados. É como se eu te olhasse com olhos de “ depois conversamos”; mas verbalizado. É a “palavrisação” do olhar.
Acho que esse “ palavrisar ” é o real problema. Nós não somos feitos para adivinhar, mas para sentir, ouvir, imaginar. Se algo só pode ser demonstrado no gestual, no tête-à-tête, por que essa ridícula “palavrisação” terrorista?
Terrorista mesmo, pois quem fala, prepara o campo para a batalha, e quem ouve, se prepara para a derrota iminente. Já levanta a bandeira branca antes mesmo de conhecer o exército inimigo, que pode ser ridiculamente menor que o nosso próprio. Ou então, comete um “harikiri preventivo” que é um contrário ao ser cativo de alguém. Me liberto de ser morto por outro me matando. Torturarei o meu algoz me torturando antes!
E assim, deixando um espaço entre o “palavrisar” e o realmente dizer, deixa-se muito mais. Deixa-se pelo caminho a pureza e a espontaneidade das palavras, que, por virem prematuramente, não conseguem sobreviver no colo espinhento do seu ouvinte.